Blog História do Ensino Superior Mundial, de autoria de Álaze Gabriel.
Disponível em http://historiadoensinosuperiormundial.blogspot.com.br/
DESAFIO É
ASSOCIAR QUALIDADE E PERTINÊNCIA
Autoria:
Ana Lúcia Gazzola. Especialista
em educação latino americana
Ana Lúcia Gazzola, ex-diretora do Instituto
Internacional de Educação Superior da Unesco na América Latina e ex-presidente
da Andifes, esteve presente durante a Conferência Mundial da Unesco. Em
entrevista concedida à revista Ensino Superior, ela fala sobre a necessidade
de se preservar características regionais, sem se render à homogeneização dos
procedimentos pedagógicos e de avaliação, a dificuldade de acesso ao ensino
superior e a exclusão de grupos sociais, vivida por todos os paises do mundo.
Ela afirma que o Brasil possui um dos melhores sistemas da região, apesar da
cobertura ainda ser baixa.
Ensino Superior - Que desafios unem os países em
desenvolvimento e os desenvolvidos, em ensino superior?
O grande desafio é associar qualidade e
pertinência. Há uma tendência em se homogeneizar os procedimentos, não só os
pedagógicos, mas também de credenciamento e avaliação, correndo-se o risco de
perder o referencial histórico, social e cultural que caracteriza os processos
educativos.
É preciso garantir a diversidade, ao mesmo tempo
que se tenta construir pontes de passagem de uma agenda mais coletiva no plano
internacional. É um assunto delicado, porque no ensino superior há hegemonias,
países mais consolidados e outros menos, e mesmo países que não têm sequer uma
única universidade.
Para os países em desenvolvimento, o segundo maior
desafio é criar os seus sistemas de educação superior que contribuam para o
aprimoramento da educação básica e a formação qualificada de professores, dando
conta das especificidades locais. Ao mesmo tempo, esses sistemas precisam
contribuir para situar o país no concerto internacional, com vantagens
competitivas.
Ensino Superior - A questão do acesso ao ensino
superior ainda é um problema nos países ricos e nos pobres. Como enfrentá-lo?
Mesmo os países que não têm problema de cobertura
ainda têm exclusão. Seja dos imigrantes, seja das mulheres, seja dos
deficientes físicos. Não existe nenhum lugar em que a exclusão tenha sido
totalmente resolvida e o acesso seja pleno. Acho que, hoje em dia, não é apenas
o acesso o maior problema, mas o gerenciamento da permanência dos estudantes.
Eu acredito que o sucesso não é medido apenas pela diplomação. Uma pessoa que
passou por um período em ensino superior já vai sair melhor do que entrou.
Neste sentido, créditos educativos e bolsas de estudo são fundamentais.
É preciso haver vários sistemas coexistindo. Tem de haver política pública de apoio ao acesso e à permanência. Tem de haver sistemas privados. O desafio é tão grande que a gente precisa de todos os atores em conjunto.
É preciso haver vários sistemas coexistindo. Tem de haver política pública de apoio ao acesso e à permanência. Tem de haver sistemas privados. O desafio é tão grande que a gente precisa de todos os atores em conjunto.
Ensino Superior - A abrangência universitária nos
países em desenvolvimento ainda está muito aquém do necessário?
Sim. Este é outro desafio importante e está na
agenda prioritária. Ampliar a cobertura, garantindo a qualidade e a equidade de
acesso à educação superior, é fundamental para a América Latina e o Caribe,
onde nós atingimos a média regional de 32% de cobertura entre os jovens de 20 a
24 anos.
Se compararmos com a média dos países
desenvolvidos, eles já atingiram ao menos 55%, podendo chegar a 85%. O Brasil
tem uma cobertura particularmente baixa em relação à média regional, de apenas
18%. Ele é heterogêneo, tem uma concentração em certos lugares. Há grandes
extensões no Brasil completamente descobertas.
Mas, por outro lado, o país tem um dos melhores
sistemas de educação superior da região e, ao lado do México, o sistema mais
desenvolvido de pós-graduação e o mais eficiente em termos de índice de
titulação. A Capes e o CNPq são modelos tão qualificados quanto os melhores
internacionais. Se comparamos o índice de conclusão de cursos com os dados
argentinos, vemos que eles têm uma cobertura de 45%, mas um índice de evasão de
50%. Não adianta todo mundo entrar e a metade não se formar.
Ensino Superior - Como melhorar a qualidade do
ensino?
Eu acho que cada país deve fazer o maior esforço
para ter um sistema público, o maior possível, com qualidade, porque este
sistema tem de ser a referência para o sistema educacional como um todo. Mas é
evidente que, na maioria dos países, o público não consegue dar conta da
demanda. É preciso, sim, valorizar também o privado, mas que ele atue sob um
sistema nacional de credenciamento e avaliação que crie parâmetros de
qualidade, pertinência e equidade que regule a ação na educação. Educação não é
mercadoria.
Ensino Superior - Qual o papel dos rankings de
universidades na busca pela qualidade?
Rankings são instrumentos que eu considero
interessantes. Mas todos eles são redutores, porque você não pode fazer um
ranking com todos os indicadores possíveis. O ranking de Xangai, por exemplo,
seleciona o indicador de produção com relação ao corpo docente qualificado. Ou
seja, quanto mais publicações, melhor você vai estar no ranking, assim como o
número de prêmios Nobel ou outros. São indicadores extremamente importantes,
mas são apenas um. Há outros, como a responsabilidade social da universidade,
que são mais raros. Cada vez que se utilizar um ranking, é preciso ser muito
transparente com a explicitação dos indicadores.
Ensino Superior - A senhora seria favorável à
criação de um sistema de padronização da qualidade de ensino, como o processo de
Bolonha europeu?
O Processo de Bolonha, que é extraordinário, não
deve ser transplantado para a América Latina porque responde a necessidades
históricas da Europa, muito diferentes das nossas. Para começar, eles têm uma
moeda comum, um Parlamento comum e toda uma estrutura política da qual Bolonha
faz parte. Eu acredito que há lições importantes para se tirar de Bolonha, como
o aumento da mobilidade de estudantes, professores e pesquisadores. É preciso
criar sistemas de bolsas que permitam acesso à mobilidade ao estudante de baixa
renda. É preciso criar cidadãos mais comprometidos com valores universais, ou
seja, cidadãos do mundo e de sua região. Hoje em dia, nem os problemas são mais
nacionais, eles ultrapassam as fronteiras. Precisamos ter formações que sejam
pensadas de uma maneira regional e, por que não, mundial. Para atender a essa
necessidade, o processo do Enlaces está sendo desenvolvido na América Latina e
nada mais é do a articulação das iniciativas que já existem. Já houve mais de
60 reuniões discutindo a agenda do Enlaces, sua implementação.
Ensino Superior - Quais serão os objetivos do
programa?
Será uma rede de redes que vêm se construindo pouco
a pouco nos últimos dez anos. A ideia não é padronizar, o que não seria
possível e nem bom. É harmonizar, garantindo a diversidade. Nós não precisamos
ter sistemas iguais, nós precisamos é compreender os sistemas para criar uma
tradutibilidade. Nós vamos encontrar os pontos de convergências em meio às suas
diversidades. Queremos garantir a diversidade sem homogeneizar os
procedimentos. Diversas redes já estão atuando. Nos falta é reunir todas essas
iniciativas e transformar a palavra em ação.
Ensino Superior - A internacionaliação é justamente
um dos pontos mais discutidos durante a conferência. Como está o Brasil neste
quesito?
O Brasil já acordou para essa questão. Há uma meta
internacional sobre o indicador de internacionalização, que estabelece a
existência de 1% de estrangeiros no corpo docente na universidade, e várias
instituições brasileiras já atingiram ou superaram esta faixa. Isso é muito
importante e há um movimento muito grande acontecendo. Há dez anos, nem se
falava nisso, e hoje a maioria das grandes universidades já tem diretoria de
relações internacionais e já participa das maiores redes internacionais. Já
temos reitores brasileiros presidindo organizações internacionais. Mas é
verdade que ainda existe um campo aberto, especialmente na própria América
Latina, que o Brasil precisa explorar melhor. Precisamos entender que um papel
importante na educação superior na América Latina é o caminho mais certo para a
integração regional, e o Brasil pode ter uma liderança forte nesta área.
Ensino Superior - O documento final da conferência
aborda a questão da formação de profissionais capazes de compreender melhor a
atualidade e os contextos político e econômico. As universidades ainda formam
muitos maus profissionais?
O problema é que o conhecimento produzido é sempre
passado, e hoje o conhecimento está avançando rápido demais. Dizem que a partir
de 2010, a cada cinco anos, as profissões vão mudar totalmente. Pode ser um
exagero, mas a realidade é que, se as universidades não estiverem em sintonia
com o mais avançado que existe, nós corremos o risco de diplomar para o
passado, o que é gravíssimo. Algumas estruturas curriculares são tão rígidas
que as universidades não abrem espaço para o estudante transitar pelas outras
áreas de maneira mais arejada. E mesmo quando se abre este espaço, às vezes o
estudante não vai, treinado sob esta ótica da profissionalização específica.
Vamos ter de abrir a cabeça das pessoas, e isso é uma atividade cotidiana, de
criar uma nova cultura de transdisciplinaridade, de percurso, ao invés de
curso, de mais optativas do que obrigatórias. A grande batalha da
flexibilização dos modelos de formação mal começou. As formações têm de ensinar
a aprender e a criticar, a problematizar.
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