quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

PROPOSTAS DE SOLUÇÃO PARA OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR MUNDIAL


Blog História do Ensino Superior Mundial, de autoria de Álaze Gabriel. Disponível em http://historiadoensinosuperiormundial.blogspot.com.br/


DESAFIO É ASSOCIAR QUALIDADE E PERTINÊNCIA

Autoria:
Ana Lúcia Gazzola. Especialista em educação latino americana


Ana Lúcia Gazzola, ex-diretora do Instituto Internacional de Educação Superior da Unesco na América Latina e ex-presidente da Andifes, esteve presente durante a Conferência Mundial da Unesco. Em entrevista concedida à revista Ensino Superior, ela fala sobre a necessidade de se preservar características regionais, sem se render à homogeneização dos procedimentos pedagógicos e de avaliação, a dificuldade de acesso ao ensino superior e a exclusão de grupos sociais, vivida por todos os paises do mundo. Ela afirma que o Brasil possui um dos melhores sistemas da região, apesar da cobertura ainda ser baixa.

Ensino Superior - Que desafios unem os países em desenvolvimento e os desenvolvidos, em ensino superior?

O grande desafio é associar qualidade e pertinência. Há uma tendência em se homogeneizar os procedimentos, não só os pedagógicos, mas também de credenciamento e avaliação, correndo-se o risco de perder o referencial histórico, social e cultural que caracteriza os processos educativos.

É preciso garantir a diversidade, ao mesmo tempo que se tenta construir pontes de passagem de uma agenda mais coletiva no plano internacional. É um assunto delicado, porque no ensino superior há hegemonias, países mais consolidados e outros menos, e mesmo países que não têm sequer uma única universidade.

Para os países em desenvolvimento, o segundo maior desafio é criar os seus sistemas de educação superior que contribuam para o aprimoramento da educação básica e a formação qualificada de professores, dando conta das especificidades locais. Ao mesmo tempo, esses sistemas precisam contribuir para situar o país no concerto internacional, com vantagens competitivas.

Ensino Superior - A questão do acesso ao ensino superior ainda é um problema nos países ricos e nos pobres. Como enfrentá-lo?

Mesmo os países que não têm problema de cobertura ainda têm exclusão. Seja dos imigrantes, seja das mulheres, seja dos deficientes físicos. Não existe nenhum lugar em que a exclusão tenha sido totalmente resolvida e o acesso seja pleno. Acho que, hoje em dia, não é apenas o acesso o maior problema, mas o gerenciamento da permanência dos estudantes. Eu acredito que o sucesso não é medido apenas pela diplomação. Uma pessoa que passou por um período em ensino superior já vai sair melhor do que entrou. Neste sentido, créditos educativos e bolsas de estudo são fundamentais.
É preciso haver vários sistemas coexistindo. Tem de haver política pública de apoio ao acesso e à permanência. Tem de haver sistemas privados. O desafio é tão grande que a gente precisa de todos os atores em conjunto.

Ensino Superior - A abrangência universitária nos países em desenvolvimento ainda está muito aquém do necessário?

Sim. Este é outro desafio importante e está na agenda prioritária. Ampliar a cobertura, garantindo a qualidade e a equidade de acesso à educação superior, é fundamental para a América Latina e o Caribe, onde nós atingimos a média regional de 32% de cobertura entre os jovens de 20 a 24 anos.

Se compararmos com a média dos países desenvolvidos, eles já atingiram ao menos 55%, podendo chegar a 85%. O Brasil tem uma cobertura particularmente baixa em relação à média regional, de apenas 18%. Ele é heterogêneo, tem uma concentração em certos lugares. Há grandes extensões no Brasil completamente descobertas.

Mas, por outro lado, o país tem um dos melhores sistemas de educação superior da região e, ao lado do México, o sistema mais desenvolvido de pós-graduação e o mais eficiente em termos de índice de titulação. A Capes e o CNPq são modelos tão qualificados quanto os melhores internacionais. Se comparamos o índice de conclusão de cursos com os dados argentinos, vemos que eles têm uma cobertura de 45%, mas um índice de evasão de 50%. Não adianta todo mundo entrar e a metade não se formar.

Ensino Superior - Como melhorar a qualidade do ensino?

Eu acho que cada país deve fazer o maior esforço para ter um sistema público, o maior possível, com qualidade, porque este sistema tem de ser a referência para o sistema educacional como um todo. Mas é evidente que, na maioria dos países, o público não consegue dar conta da demanda. É preciso, sim, valorizar também o privado, mas que ele atue sob um sistema nacional de credenciamento e avaliação que crie parâmetros de qualidade, pertinência e equidade que regule a ação na educação. Educação não é mercadoria.

Ensino Superior - Qual o papel dos rankings de universidades na busca pela qualidade?

Rankings são instrumentos que eu considero interessantes. Mas todos eles são redutores, porque você não pode fazer um ranking com todos os indicadores possíveis. O ranking de Xangai, por exemplo, seleciona o indicador de produção com relação ao corpo docente qualificado. Ou seja, quanto mais publicações, melhor você vai estar no ranking, assim como o número de prêmios Nobel ou outros. São indicadores extremamente importantes, mas são apenas um. Há outros, como a responsabilidade social da universidade, que são mais raros. Cada vez que se utilizar um ranking, é preciso ser muito transparente com a explicitação dos indicadores.

Ensino Superior - A senhora seria favorável à criação de um sistema de padronização da qualidade de ensino, como o processo de Bolonha europeu?

O Processo de Bolonha, que é extraordinário, não deve ser transplantado para a América Latina porque responde a necessidades históricas da Europa, muito diferentes das nossas. Para começar, eles têm uma moeda comum, um Parlamento comum e toda uma estrutura política da qual Bolonha faz parte. Eu acredito que há lições importantes para se tirar de Bolonha, como o aumento da mobilidade de estudantes, professores e pesquisadores. É preciso criar sistemas de bolsas que permitam acesso à mobilidade ao estudante de baixa renda. É preciso criar cidadãos mais comprometidos com valores universais, ou seja, cidadãos do mundo e de sua região. Hoje em dia, nem os problemas são mais nacionais, eles ultrapassam as fronteiras. Precisamos ter formações que sejam pensadas de uma maneira regional e, por que não, mundial. Para atender a essa necessidade, o processo do Enlaces está sendo desenvolvido na América Latina e nada mais é do a articulação das iniciativas que já existem. Já houve mais de 60 reuniões discutindo a agenda do Enlaces, sua implementação.

Ensino Superior - Quais serão os objetivos do programa?

Será uma rede de redes que vêm se construindo pouco a pouco nos últimos dez anos. A ideia não é padronizar, o que não seria possível e nem bom. É harmonizar, garantindo a diversidade. Nós não precisamos ter sistemas iguais, nós precisamos é compreender os sistemas para criar uma tradutibilidade. Nós vamos encontrar os pontos de convergências em meio às suas diversidades. Queremos garantir a diversidade sem homogeneizar os procedimentos. Diversas redes já estão atuando. Nos falta é reunir todas essas iniciativas e transformar a palavra em ação.

Ensino Superior - A internacionaliação é justamente um dos pontos mais discutidos durante a conferência. Como está o Brasil neste quesito?

O Brasil já acordou para essa questão. Há uma meta internacional sobre o indicador de internacionalização, que estabelece a existência de 1% de estrangeiros no corpo docente na universidade, e várias instituições brasileiras já atingiram ou superaram esta faixa. Isso é muito importante e há um movimento muito grande acontecendo. Há dez anos, nem se falava nisso, e hoje a maioria das grandes universidades já tem diretoria de relações internacionais e já participa das maiores redes internacionais. Já temos reitores brasileiros presidindo organizações internacionais. Mas é verdade que ainda existe um campo aberto, especialmente na própria América Latina, que o Brasil precisa explorar melhor. Precisamos entender que um papel importante na educação superior na América Latina é o caminho mais certo para a integração regional, e o Brasil pode ter uma liderança forte nesta área.

Ensino Superior - O documento final da conferência aborda a questão da formação de profissionais capazes de compreender melhor a atualidade e os contextos político e econômico. As universidades ainda formam muitos maus profissionais?

O problema é que o conhecimento produzido é sempre passado, e hoje o conhecimento está avançando rápido demais. Dizem que a partir de 2010, a cada cinco anos, as profissões vão mudar totalmente. Pode ser um exagero, mas a realidade é que, se as universidades não estiverem em sintonia com o mais avançado que existe, nós corremos o risco de diplomar para o passado, o que é gravíssimo. Algumas estruturas curriculares são tão rígidas que as universidades não abrem espaço para o estudante transitar pelas outras áreas de maneira mais arejada. E mesmo quando se abre este espaço, às vezes o estudante não vai, treinado sob esta ótica da profissionalização específica. Vamos ter de abrir a cabeça das pessoas, e isso é uma atividade cotidiana, de criar uma nova cultura de transdisciplinaridade, de percurso, ao invés de curso, de mais optativas do que obrigatórias. A grande batalha da flexibilização dos modelos de formação mal começou. As formações têm de ensinar a aprender e a criticar, a problematizar.






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