quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A GLOBALIZAÇÃO DO SISTEMA DE ENSINO SUPERIOR: O ‘MERCADO’ EDUCACIONAL



 Blog História do Ensino Superior Mundial, de autoria de Álaze Gabriel. Disponível em http://historiadoensinosuperiormundial.blogspot.com.br/

 
Autoria:
1 - Marici Cristine Gramacho Sakata. Profa. Dra. Pesquisadora do TECSI FEA USP da Universidade de São Paulo.
2 - Maria Aparecida Baccega. Prof. Dra. Escola da Comunicações e Artes ECA Universidade de São Paulo e Professora e Pesquisadora do Mestrado da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing)
3 - Sandra Raquel Pinto Alves. Profa. Doutoranda. Escola Superior de Tecnologia e Gestão - Portugual
4 - Edson Luiz Riccio. Prof. Livre Docente. Universidade de São Paulo. Faculdade de Economia, Adminstração e Contabilidade. FEA. Diretor TECSI FEA USP.

RESUMO

Devido à globalização diversas mudanças estão ocorrendo tanto do ponto de vista econômico e financeiro como cultural, uma dessas mudanças ocorreu no Sistema de Educação Superior em diversos países. Após a inclusão da Educação como um Serviço na OMC – Organização Mundial do Comércio o ‘mercado educacional’ intensificou-se, sendo um dos principais pontos questionados as instituições globalizadas não visarem a educação como um bem mas como um serviço, e com isso, se não forem regulamentadas, tendem, naturalmente, à geração de serviços/produtos a serem consumidos e à competitividade. Por outro lado, estas instituições têm atendido às novas procuras do Ensino Superior. O objetivo deste artigo é analisar a relação entre a globalização e a educação superior. Discutimos, ainda, neste artigo o setor privado e público na Educação, a Estratégia de Mercantilização da Educação e concluímos sobre a possibilidade de regulamentação do sistema e da criação de sistemas mistos.
Palavras-chave: Globalização, Educação Superior, Mercado Educacional, OMC

INTRODUÇÃO

Estudar as relações entre globalização e o Sistema de Educação Superior é fundamental para compreendermos o ‘mercado educacional globalizado’ que tem surgido nos últimos anos, especialmente após a inclusão da Educação como um Serviço na OMC – Organização Mundial do Comércio. Diferentemente dos processos de internacionalização, num ambiente globalizado as ações e as políticas definidas pelos órgãos internacionais passam a ser impostas e incorporadas às políticas dos países menos desenvolvidos em diversos planos, inclusive no plano educacional. Devido à globalização, uma das principais mudanças que vem ocorrendo, em praticamente, todas as profissões é a movimentação e o deslocamento de pessoas de um país para outro em busca de melhores condições de vida e oportunidades de crescimento profissional.
Assim, os profissionais e recém-formados buscam, cada vez mais, estar em conformidade com os padrões mundiais da sua área para que possam ter mobilidade de atuação, seja em outros países, seja em empresas multinacionais no seu próprio país. Os programas de mobilidade no Mercado Comum Europeu, como por exemplo através do programa Erasmus ou os inúmeros acordos internacionais de intercâmbio estudantil entre as Universidades. Por outro lado, em diversos países, nota-se a diminuição do investimento público em Ensino Superior que, aliada à crescente procura por profissionais capacitados para atuarem nas empresas inter, multi e transnacionais, têm possibilitado uma grande expansão do sistema educacional superior privado para suprir esta lacuna. Este estudo é importante para entender como é possível, por meio dos modelos de globalização, analisar as mudanças que vêm ocorrendo no sistema educacional superior mundial. Isto é necessário para se entender as consequências a curto e longo prazos deste ‘mercado’. A mercantilização da educação, ou seja, o processo de mundialização do mercado aplicado à educação, conforme Trindade (19991; 89), resultaria num modelo onde o Estado desapareceria e o mercado moldaria os currículos padronizados:

“As universidades tornar-se-iam empresas à busca de clientes – alunos disponíveis, sem distinção de nacionalidade – e em concorrência com o mercado mundial para atrair os melhores fatores de produção – professores e os financiamentos – com vistas a maximizar os lucros – quer dizer os meios de desenvolvimento.” Ainda de acordo com Trindade (19992; 89) assistir-se-ia, então, como sob o mercado de bens de consumo, a uma distinção crescente entre produtos de alto valor e produtos de massa, ou seja, pólos de excelência e ensino de massa com crescente perda de financiamento, estamos perante o que alguns autores chamam de globalização negativa. No entanto, discutimos neste artigo a importância do setor privado na Educação, a Estratégia de Mercantilização da Educação e questionamos sobre a possibilidade de regulamentação do sistema e da criação de sistemas mistos.

Dale (2004) afirma que embora muito se fale sobre globalização e educação, poucas são as tentativas para confrontar teoricamente a natureza e os efeitos da composição e das consequências das mudanças das forças supranacionais, e sugere que uma teoria dos efeitos da globalização sobre a educação deve: especificar a natureza da globalização, (b) indicar claramente o que é que se quer dizer com “educação” e (c) especificar como a globalização afeta a educação, seja diretamente, de forma identificável, ou indiretamente.
Meyer, Boli, Thomas e Ramirez (1997)4 diferenciam ocidentalização e globalização e,sobre a ocidentalização, afirmam que o mundo é essencialmente formado por modelos ocidentais transmitidos ao redor do mundo por meio de redes transnacionais e cultura global. De acordo com este enfoque macro-fenomenológico a convergência de formas institucionais como nação-estado, democratização, educação de massa, proteção de direitos das minorias, controle populacional e proteção ambiental não pode ser explicada simplesmente por um auto-interesse localizado ou por uma evolução interna, mas por fontes de pressões isomórficas transmitidas por redes transnacionais5 e pelas tentativas de abraçar modelos cognitivos que confiram legitimidade generalizada na ordem mundial dominada pelo Ocidente.
Em seu ensaio sobre a globalização Crenshaw, Paxton, Morishima e Robison (2003) afirmam que a habilidade de uma população em abraçar qualquer modelo particular é determinada por propriedades internas (i.e., estruturas favoráveis que podem ter sido moldadas anteriormente à globalização), contato entre atores, Estados e instituições, e o contexto macro-social no qual este contacto acontece (por exemplo, ciclos econômicos ou períodos históricos). Ou seja, deve-se assumir que contactos materiais reais são mais intensos e são mais prováveis na construção dos interesses e dos compromissos.
A análise dos sistemas mundiais requer o entrelaçamento de três áreas da ação humana coletiva. As áreas de ação a partir de Wallerstein (1999)7 e Crenshaw et al. são as que seguem (2003)8: a econômica, a política e a social (sociocultural). As disciplinas – antropologia, economia, ciência política e sociologia – e as teorias e métodos se sobrepõe, possibilitando uma compreensão ampla do sistema. Os enfoques principais para a interpretação da globalização, segundo Held e McGrew, (20019), são: Enfoque Historicista/Determinista, Enfoque dos Céticos e Enfoque Globalista . Além das análises e enfoques apresentados, há a visão da transnacionalização que é a que utilizamos nesta pesquisa, pois parte do enforque globalista, mas é menos radical. No entanto, considera que a unidade do Estado é uma ficção incapaz de dar conta da diversidade de identidades dos indivíduos. (Roche, 200410)
A literatura sobre a globalização é ampla e apresenta diversas visões econômicas, sociais e culturais que utilizamos neste artigo para a construção e os fundamentos da estrutura de análise. A transnacionalização da educação é melhor compreendida ao se utilizar a estrutura de análise de Cortesão e Stoer (200211: 377-416), pois apresenta uma estrutura do campo educacional baseada no quadro de transnacionalização de Sousa Santos (1995). A literatura sobre a globalização nos mostra que as instituições de Ensino Superior transformadas em Organizações respondem, com maior ou menor resistência, às pressões econômicas, políticas e sociais transportadas ao seu ambiente por meio das instituições portadoras e por meio de políticas, adaptando o seu sistema nacional ao mundial. Pelo ponto de vista da internacionalização, as instituições de ensino superior já têm estabelecido acordos internacionais de intercâmbio de alunos e professores, programas de pesquisa em comum, duplo diploma e outras atividades com universidades estrangeiras para impulsionar a compreensão de outras culturas, outros valores e sistemas educacionais.
Tais itens são importantes no processo de internacionalização e não prejudicam os objetivos da educação. Porém, o que ocorre atualmente é a globalização da educação e os seus resultados no ensino superior incluem: a introdução e o crescimento de instituições internacionais, de centros de certificação, de padrões para currículo e de sistemas de transferência de crédito, e de programa de educação on-line, entre outros. Marginson (200013) afirma que com a globalização, a vida acadêmica tem sido pressionada a mudar certos atributos acadêmicos individuais, como os relacionados com a competência tecnológica, comunicações, competência linguística, diversidade cultural, flexibilidade discursiva, administração de trabalho e procuras por múltiplos papéis numa organização.
Pela necessidade de atender uma procura crescente de profissionais com habilidades internacionais e de responder a indicadores internacionais, alguns países têm o seu setor educacional pressionado tanto para gerar resultados educacionais como financeiros. Nos Estados Unidos da América a discussão a respeito da educação como bem ou serviço está ultrapassada, o investimento neste setor tem dado um retorno financeiro satisfatório e o termo “Education Industry – Indústria Educacional ou da Educação tem sido cada vez mais frequente. Um número crescente de investidores (venture capital) em empresas de educação tem surgido e com isso várias instituições de ensino em todos os níveis têm sido criadas ou compradas assim, para os investidores o maior concorrente é o Governo. As ações dos grandes grupos educacionais estão cotadas na Bolsa e isto já é uma realidade também no Brasil, com o Grupo Anhanguera Educacional. Uma das freqüentes justificativas veiculadas nos meios de comunicação para o bom desempenho dos grupos privados é a má qualidade do ensino fornecido pelo governo. A educação profissional te sido em geral privada ou mesmo organizada pelas próprias empresas (Universidades Corporativas). Dada a experiência das empresas privadas em treinamento, elas têm estendido seu foco para outros níveis de educação, do jardim de infância a programas de Doutoramentos. Alguns dos principais grupos educacionais norte-americanos são: Carreer Education Corporation (CEC, 200714), Corinthian Colleges (CCI, 200715), Apollo Group (University of Phoenix), Laureate International (Laureate, 200616), Education Management Corporation (EDMC, 200717) e Whitney Internacional University System.
Quanto aos organismos internacionais envolvidos com o sistema de educação superior, estes distinguem-se entre organismos financeiros e de recomendação. Os principais organismos financeiros são o Banco Mundial (World Bank), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os principais organismos de recomendações são a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), entre outros. Embora não exerçam poder de decisão, os organismos internacionais, principalmente, os financeiros têm grande influência sobre as políticas dos países e as metas emergem a partir dos modelos dos países à frente do desenvolvimento.
Cada organismo segue sua linha de políticas e não necessariamente concordam entre si. Tanto os financeiros como os de recomendação atuam fortemente em pesquisas e estatísticas e inúmeros documentos são disponibilizados em formato digital para acesso. Tais documentos são altamente relevantes para a análise do desenvolvimento dos setores em determinados países e em comparação aos demais.
Percebemos a baixa resistência dos países aos imperativos devido à legitimação que estes conferem às Instituições de Ensino Superior (IES), as IES anunciam os seus acordos internacionais como uma vantagem competitiva, no entanto, ultrapassam o limite da internacionalização submetendo-se a sistemas de credenciamento internacionais, financiamento privado internacional e homogeneização de currículos em diversas áreas de ensino.
As pressões coercivas são recebidas de formas diferentes, no entanto, os países da América Latina estão reagindo de forma similar, alguns com maior, outros com menor resistência. A incorporação dos imperativos em suas políticas nacionais varia de acordo com a dependência econômica. Os membros da OMC devem aceitar a classificação da educação como serviço, assim como o México já fez. Alguns países membros latino-americanos estão a discutir esta questão, porém, paralelamente, a educação nos vários países já atende aos padrões do mercado e as instituições privadas e grupos internacionais competem entre si como prestadores de serviços. No caso da França, por não possuir a mesma dependência econômica que os países da América Latina, mantém a opção de oferecer a educação superior como um bem e direito do cidadão e não permitir que instituições privadas (com exceções das confessionais e Grand Ecoles) emitam diplomas, embora os discursos de privatização sejam cada vez mais frequentes. A Espanha segue a mesma política, mas não restringe a emissão de diplomas às instituições públicas.
As IES, para se adaptarem às pressões e para competir no mercado, estão se reestruturando e internacionalizando, no entanto, algumas IES redefinem-se dentro de seus próprios padrões e o que se percebe é que para atender a um mercado internacional e competir com as instituições consideradas de excelência, no caso as norte-americanas, algumas instituições nacionais estão a deixar de considerar os conteúdos locais e oferecer apenas os conteúdos técnicos e globais.
No cenário da globalização, cresce a competição entre todos os campos, inclusive na educação, as agendas das Instituições Educacionais começam a contemplar estratégias e adaptação frente às pressões internacionais. (Kumar & Usunier, 200118, Kwiek, 2001, Wallace, 2003). Sahlberg (2004) afirma que as implicações pedagógicas sob o efeito da globalização ainda não foram estudadas o suficiente. Segundo o autor, a globalização está a afetar o ensino e a aprendizagem de três formas: a) o desenvolvimento educacional está em geral baseado numa agenda global unificada; b) o ensino e a aprendizagem padronizada têm sido utilizados como veículo para melhorar a qualidade; e c) a ênfase na competição está cada vez mais em evidência entre os indivíduos e as escolas. Tal padronização pode ser improdutiva na preparação dos estudantes, e, por isso, há que se repensar a forma como as escolas se estão a organizar.
Assim como hoje a educação busca modelos no mercado de negócios, segundo Sahlberg (2004), o currículo já seguiu modelos baseados nos princípios de economia de mercado segundo Taylor. O modelo neoliberal atual tem resultado em separações cada vez mais profundas entre escolas de boa e de má qualidade avaliadas por índices, padrões e dados quantitativos.
As instituições globalizadas, no limite, se não forem regulamentadas, tendem naturalmente à geração de serviços/produtos a serem consumidos e à competitividade, não por serem contra a educação integral ou por desprivilegiarem a educação, mas pelo simples fato de que são Organizações/Empresas que “vêm” a educação como um serviço, com um fim que não é em si mesmo, mas voltado para o mercado. Não podemos negar que há uma ambivalência na Indústria Educacional, existe uma razão instrumental movida por questões econômico-financeiros, mas há também um ganho social. De uma escola destinada apenas à elite passamos para uma escola de massa que resulta um crescente número de diplomados anualmente, com maiores oportunidades de alcançar um bem-estar mínimo e espaços na sociedade.
No entanto, estes espaços alcançados limitam-se às funções de mão-de-obra e não de cidadãos atuantes na sociedade. Porém, não nos podemos contentar com estes ganhos, é necessário ir além e buscar uma outra globalização, assim como defendeu Milton Santos. É consenso que a economia exerce um papel de destaque no paradigma dominante deste século que é a Globalização (Ianni, 1994) e é por esta lente que muitas das decisões locais e mundiais têm sido tomadas. No entanto, pela própria definição de Globalização, os países ocidentais têm passado por mudanças similares nos seus processos, alguns de forma mais aceleradas que outros, porém, há uma tendência comum que pode ser notada. A análise destas tendências permite uma melhor compreensão do que está ocorrendo e possibilita um pensamento crítico a este respeito.
O Brasil, por meio do Ministério da Educação (MEC), estabelece regras para o currículo mínimo na formação de várias áreas no qual consta a obrigatoriedade de disciplinas humanísticas e generalistas. Como consequência, tanto as IES nacionais como as globalizadas mantêm disciplinas de história, política e cultura nacional em diversos currículos.
O sistema privado está a expandir-se nos países da América Latina, no Brasil o sistema privado atende 60% dos alunos, no Chile 53%, e na Colômbia 57%. Embora o sistema educacional norte-americano seja altamente competitivo e voltado para o mercado, o sistema público norte-americano ainda é responsável por 76% do número de matriculados, ou seja, a educação ainda segue as diretrizes e regulamentações do Governo e, portanto, pode funcionar mesmo que hajam mudanças na forma de financiamento.
Somente o México e Argentina registram números semelhantes - nestes dois países, 80% dos alunos estão matriculados no setor público. A universidade do século passado tinha um ensino de alta qualidade, no entanto, destinava-se apenas a uma elite, com o aumento das universidades privadas e os sistemas mistos, facilitou o acesso ao ensino superior. A crise enfrentada pela universidade em parte deve-se: por não poder atender à procura; por não atingir a qualidade de acordo com rankings; e por não ter recursos para investir como deveria. Todas estas crises são recentes que ocorreram devido à democratização do ensino superior, à globalização e à mercantilização da educação.
Para mantermos a democratização do ensino, o próximo passo será investir na qualidade, ou seja, investir em escolas, envolver a sociedade e manter valores nacionais, culturais e identitários. As instituições privadas com fins lucrativos e com objetivos puramente instrumentalistas devem entender que são parte de um sistema mais amplo e que seu produto é a formação de seres humanos; que o lucro é uma parte do processo e que investir na qualidade de ensino é investir em seu próprio futuro. A missão deve ser bem explicitada, deve deixar mais clara a função de formação para o mercado de trabalho sem, no entanto, esquecer a formação de pessoas que fazem parte da sociedade.
As universidades, por sua vez, que têm como missão a formação integral, devem ter consciência desta missão, que vai além do treinamento para o mercado. Se considerarmos o objetivo da universidade, este não é formar para o mercado de trabalho, mas tem obrigação com a excelência, a pesquisa, a extensão e a inovação. É necessário que se compreenda a importância da autonomia da universidade no ensino e na pesquisa para o desenvolvimento e progresso do país.







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