Blog História do Ensino Superior Mundial, de autoria de Álaze Gabriel.
Autoria:
Marco
Antonio Rodrigues Dias. Conselheiro especial da Universidade das Nações Unidas,
professor aposentado da Univer-sidade de Brasília (UNB) e ex-diretor da Divisão
de Ensino Superior da UNESCO(1981-1999).
RESUMO
O autor, ex-vice-reitor e professor
aposentado da UNB, foi, durante mais de 17 anos, diretor da Divisão de Ensino
Superior da UNESCO(1981-1999), supervisionou a elaboração dos documentos de
política do ensino superior da UNESCO e coordenou a organização da Conferência
Mundial sobre Ensino Superior (CMES) desta organização, em 1998. Considera que
sobre este tema não há neutralidade, em particular no seu caso, em função das
responsabilidades que exerceu durante quase duas décadas na UNESCO.
Recorda que, há dez anos, dois
documentos sobre políticas do ensino superior foram publicados em nível
internacional, pelo Banco Mundial e pela UNESCO, ambos partindo de diagnósticos
semelhantes, mas chegando a conclusões e elaborando propostas totalmente divergentes,
fruto de uma visão radicalmente diversa da sociedade,
uns
vendo-a como instrumento para reforçar o mercado, outros como uma entidade
coletiva que deve ser considerada segundo suas especificidades sociais e
culturais. Hoje, com a intervenção de novos atores, a Organização Mundial do
Comércio, por exemplo, a posição de funcionários dessas duas organizações
torna-se mais próxima, sendo impossível prever que orientação adotarão, no
futuro, a comunidade acadêmica internacional e os Estados-membros dessas
organizações.
INTRODUÇÃO
Pouca gente recordou, mas, dez anos
atrás, dois documentos importantes sobre o ensino superior eram lançados em
nível internacional. O primeiro deles do Banco Mundial, publicado em 1994, teve
como título “Educação superior: aprender com a experiência” (“Higher education
– The lessons of experience”). O segundo, lançado pela UNESCO, com uma versão provisória
publicada em 1993 e a versão final lançada em Paris em fevereiro de 1995, teve
como título “Documento de política para a mudança e o desenvolvimento na
educação superior (“Policy paper for change and development in higher education”).
Partindo de diagnósticos semelhantes:
constatação do incremento dos efetivos na educação superior, problemas de
financiamento generalizados, diversificação das instituições, para citar apenas
algumas das questões mais visíveis ali tratadas, esses documentos
representavam, em realidade, duas visões absolutamente opostas sobre a função
da educação superior com relação à sociedade e sobre a própria sociedade.
Ambos os documentos tiveram grande
influência no desenvolvi-mento de políticas educacionais no mundo inteiro e as
questões neles colocadas continuam, hoje, passados dez anos, a ser objeto de
discus-sões em todos os fóruns internacionais consagrados a este nível da
edu-cação.
De 1994 para cá, o Banco Mundial deu
seguimento às reflexões sobre a problemática do ensino superior, publicando no
ano 2000 o informe de um grupo de trabalho intitulado “Higher education in developing
countries – peril and promises” e, mais recentemente, em 2002, um livro:
Constructing knowledge societies:new challenges for tertiary education.
Parece evidente que, neste volume, os
responsáveis pelo setor de educação do Banco tentam apresentar uma visão mais
coerente dos pro-blemas vinculados à relação entre educação superior e
sociedade e, ao mesmo tempo, num reconhecimento implícito de erros anteriores
de apreciação, procuram mostrar que educação superior não pode ser vista apenas
como um subsetor discreto dentro do setor educacional e que, ao contrário, é
peça fundamental de um sistema holístico que deve se tornar mais flexível,
diversificado, eficiente e responsável diante da eco-nomia do conhecimento.
A UNESCO, por sua vez, depois de lançar
seu documento de polí-ticas para o ensino superior, buscou, de seu lado,
estimular, no mundo inteiro, reflexões sobre o tema. Do ponto de vista
concreto, mostrando idéias de que educação superior é um bem público e de que a
coopera-ção solidária não é uma utopia irrealista, lançou um programa de
coo-peração – UNITWIN – Cátedras UNESCO – que, segundo opinião geral, apesar de
não ser perfeito (a própria UNESCOjamais lhe concedeu nem a prioridade nem os
fundos solicitados pelos próprios Estados-membros), é considerado um sucesso.
Esse programa atinge, hoje, mais de 500 projetos espalhados pelo mundo inteiro
com financiamento de fontes as mais diversas, nacionais e internacionais.
Por sua vez, no período de 1995 a 1998,
por intermédio de seus escritórios regionais ou em cooperação com organizações
não-governamentais e governamentais, promoveu uma série de encontros e lançou uma
série de publicações que tiveram grande impacto no mundo intei-ro e que
culminaram com a realização da Conferência Mundial sobre o Ensino Superior
(CMES) que reuniu em Paris, em outubro de 1998, qua-se 5 mil participantes,
mais de 180 países. Destaque-se que pelo menos 125 delegações oficiais eram
presididas por ministros de Estado, número superior ao de ministros que
costumam participar nas conferências gerais dessa organização.
Hoje, o documento que reflete a posição
oficial da UNESCOavalia-da pelos Estados-membros é a “Declaração mundial sobre
educação superior no século XXI: visão e ação”, adotada pelos participantes da CMES(representantes
oficiais de governos, organizações governamentais e não-governamentais,
comunidade acadêmica etc.) no dia 9 de outu-bro de 1998.
O documento de referência do Banco
Mundial passou a ser o livro Constructing knowledge societies: new challenges for
tertiary education. Na prática, hoje, funcionários das duas organizações, às
quais se associa a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
aproximam suas posições teóricas e práticas, não estando ainda claro como
tratarão estes temas os Estados-membros da UNESCO.
Além disso, dois fatores novos
sobrepõem-se aos debates. Em primeiro lugar o aparecimento em cena, desde 1995,
da Organização Mundial do Comércio, na qual, de maneira clara, representantes
de um grupo de países e funcionários dessa organização buscam consolidar a posição
de se considerar o ensino superior mais como mercadoria que como bem público.
Ao se tentar lançar perspectivas sobre o debate, não se pode deixar de levar em
consideração o fato de que, em 1993, os Estados-membros da UNESCOaprovaram uma
declaração sobre a diver-sidade cultural e, agora, empenham-se em grandes
discussões, para se chegar a um consenso sobre um texto de convenção sobre o
mesmo tema. É evidente que não se pode, ao discutir diversidade cultural, dei-xar
de lado as implicações que definições neste campo terão para o en-sino
superior.
VISÕES
OPOSTAS
Durante todo o período que antecedeu à
elaboração destes dois documentos-base, dez anos atrás, era claro que as duas
organizações tinham visões absolutamente opostas não só sobre o ensino
superior, mas em geral sobre educação. O Banco, dada a sua natureza comercial,
partia de uma visão economicista da sociedade, ao passo que a UNESCO, com base em
sua Carta Constitutiva, seja sob a direção do senegalês Amadou Mahtar M’Bow,
seja sobre o comando do catalão-espanhol Federico Mayor, considerava a
educação, em seu conjunto, um bem público. Se-gundo a especialista sueca Berit
Olsson, “a UNESCOdiscute a sociedade como uma entidade coletiva, ao passo que o
Banco Mundial dá a im-pressão de ver a sociedade apenas como um mecanismo para
regular o sistema de mercado”.
Uma síntese das posições do Banco
relativas à educação em geral é encontrada, segundo o educador uruguaio-catalão
Miguel Soler Roca, no documento “Prioridades e estratégias da educação – Exame
do Ban-co Mundial” (1996) e, no que diz respeito à UNESCO, no informe da Comissão
Internacional sobre a Educação para o Século XXI, “Educa-ção: um tesouro a
descobrir” (“Learning: the treasure within”), presi-dida por Jacques Delors,
que atualizou os temas do famoso e excelente informe “Aprender a ser”
(“Apprendre à être”), da comissão internacio-nal presidida por Edgar Faure em
1972. O documento da Comissão
Delors, embora elaborado por um grupo
independente, foi assumido pela UNESCO, podendo-se pois dizer que representa a
posição oficial da organização. Segundo análise de Miguel Soler Roca, “o
informe da comissão é um livro aberto no qual educação e outros temas são apresentados
com uma definição de causas, efeitos, vínculos, tensões, dúvidas,
contradi-ções, alternativas”. Já o trabalho do Banco Mundial se refere ao exame
de problemas pontuais, sempre sob o ângulo economicista do Banco, sem lugar
para controvérsias, dúvidas ou debates. É uma “exposição de um pensamento
elaborado previamente, dogmático”, como assinala ain-da Miguel Soler Roca.
CONSIDERAÇÃO
DO CONTEXTO
Aí se identifica um ponto que é comum a
todas as análises sobre educação e, em particular, sobre o ensino superior. Em
sã consciência, pode-se crer que seja possível examinar o problema da educação
fora de seu contexto real? Pode-se imaginar ser possível estabelecer critérios para
ações concretas que sejam válidos para o mundo inteiro, para todos os povos,
para todas as culturas? Façamos um parêntesis e avance-mos um pouco no tempo:
podem-se aceitar as análises que certos espe-cialistas, anglo-saxões em
particular, andam fazendo nos dias de hoje sobre a cooperação
interuniversitária na América Latina, desligada da análise da realidade do
continente?
Pode a comunidade acadêmica
in-ternacional aceitar o que pretende um grupo com representantes de uma dúzia
de países que busca desenvolver métodos globais de acredita-ção, dizendo o que
é qualidade aplicada ao mundo inteiro? O Informe Delors, embora, em matéria de
educação superior, não tenha ido aos detalhes do documento de políticas da
UNESCOde 1995, tem como um de seus aspectos positivos o de iniciar suas
análises com um capítulo denominado “Horizontes” dedicado ao estudo do contexto
mundial, analisando a questão demográfica, a globalização, o impacto das novas
tecnologias de comunicação, os problemas sociais advindos da ex-clusão
crescente no mundo inteiro, a questão da democracia, a situação da mulher, a
interdependência planetária, as diferenças entre crescimen-to econômico e
desenvolvimento humano.
O documento do Banco Mundial, cujos
autores indicaram ter con-sultado a comissão internacional, vai direto a
situações concretas assina-lando que “a educação é crucial para o crescimento
econômico e a redu-ção da pobreza”. Numa postura que é comum em todos os
documentos do Banco, em particular sobre educação superior, passa-se a fazer
análises e elaborar propostas, sem fazer menção à situação das sociedades que menciona
ou às quais se dirige. A situação real, a exclusão, não interessa aos
analistas. Fala-se da pobreza, mas jamais de suas causas. E, quando se apresentam
soluções, sobretudo na área financeira, não se busca saber se os remédios
propostos, em lugar de curar o doente, não vão agravar a sua situação, aumentando
as injustiças, o elitismo, a exclusão. É necessário destacar esta postura,
recordando a conclusão à qual chegaram os que participaram da preparação da
CMES: antes de se decidir que tipo de uni-versidade se pretende construir, é
fundamental saber que tipo de socie-dade se busca criar ou consolidar.
Em outras palavras e indo mais fundo na
questão, é fundamen-tal discutir se se quer construir uma sociedade mais justa
ou consolidar as ineqüidades atuais. Uma posição de neutralidade com relação às
cau-sas do subdesenvolvimento, da exploração, da miséria é, sem dúvida, a melhor
maneira de se garantir a perpetuidade da ineqüidade.
REPERCUSSÕES
SOBRE AS PROPOSTAS
Quando se chega à parte de propostas
concretas de ação, o que se vê? São em realidade quatro as medidas propostas
pelo Banco:
1. Privatizar a educação superior, com a
segurança de que “continuarão recebendo prioridade aqueles países nos quais se
atribua mais importância aos provedores e ao financiamento privados”.
2. Anular a gratuidade do ensino
superior, por meio da cobrança de matrículas.
3. Estimular a criação, no nível
pós-secundário mas não univer-sitário, de instituições terciárias mas não
universitárias, capa-zes de organizar cursos mais breves que respondam mais
flexi-velmente às demandas do mercado de trabalho.
4. Renunciar a transformar o conjunto
das universidades públicasem centros de pesquisa.
Já a Comissão Delors, neste ponto
retomando documentos anteri-ores da UNESCOproduzidos por seus setores de
Educação (Divisão de En-sino Superior) e de Ciência, afirma peremptoriamente
que “os países mais pobres devem se dotar de uma capacidade própria de pesquisa
e especia-lização, constituindo, em particular, pólos regionais de excelência”.
Esta postura, por certo, repercute sobre
as medidas concretas que propõem seja o Banco seja a comissão internacional.
Para o Banco Mun-dial, já que a educação é vista como investimento mais que
como direito, é necessário, em primeiro lugar, reduzir seus custos. Para isso,
será útil aumentar o coeficente professor-alunos, o que, se levado às últimas
con-seqüências, significará mais alunos e menos professores. Daí a indicar que será
útil a redução do número de laboratórios vai um passo facilmente alcançável. A
redução dos salários dos professores também é recomenda-da. Ninguém estranhará,
pois, que se proponha ainda apoio ao ensino privado e ao financiamento privado
e, também, que se confie a grupos particulares a gestão da produção e a
distribuição dos textos escolares.
Já a comissão claramente solicita que a
educação não seja domi-nada pelo mercado e sugere que a parte do PNBdedicada à
educação não seja nunca inferior a 6%. E ainda propõe que se reduza a dívida externa
para poder aumentar os gastos com educação. Propõe também que se melhorem as
condições do pessoal docente, relembrando que nenhuma reforma da educação
jamais teve êxito atuando sem o apoio do professorado. A comissão poderia ter
ido mais adiante fazendo o que fez a Conferência Mundial sobre o Ensino
Superior que considerou, no artigo 10 da “Declaração mundial sobre educação
superior no século XXI: visão e ação”: uma política vigorosa de desenvolvimento
de pessoal é elemento essen-cial para instituições de educação superior. Devem
ser estabelecidas polí-ticas claras relativas a docentes de educação superior
que atualmente de-vem estar ocupados sobretudo em ensinar seus estudantes a
aprender a tomar iniciativas, ao invés de serem unicamente fontes de
conhecimen-to.
Devem ser tomadas providências adequadas
para pesquisar, atualizar e melhorar as habilidades pedagógicas, por meio de
programas apropria-dos de desenvolvimenbto de pessoal, estimulando a inovação
constante dos currículos e dos métodos de ensino e de aprendizagem, que
assegu-rem as condições profissionais e financeiras apropriadas ao profissional,
garantindo assim a excelência em pesquisa e ensino, de acordo com as provisões
da Recomendação referente ao Estado do Pessoal Docente da Educação
Superioraprovada pela Conferência Geral da UNESCOem no-vembro de 1997.
IMPLICAÇÕES
PARA O ENSINO SUPERIOR
Os elementos acima mencionados revelam,
por si, que é natural que divergências aparecessem também em documentos elaborados
uma década atrás e que se referiam especificamente ao ensino superior. Vamos
por partes. O documento do Banco Mundial, de 1994, mantém a perspectiva de um
economista, cuja principal preocupação seja a do uso eficiente dos recursos
públicos e é a esse objetivo que os formuladores de políticas devem dar prioridade.
As posições do Banco tendem sempre a ser dogmáticas, ao contrário daquelas
apresentadas no documento de políticas da UNESCOque, resultado de um amplo
processo de consulta, visam mais à criação de um quadro conceitual amplo que permita
a tomada de decisões segundo cada quadro cultural específico.
Um ponto fundamental nesta altura dos
debates era, como é ago-ra, o do financiamento da educação em geral, do ensino
superior em particular. Para a UNESCO, a responsabilidade do poder público
neste caso é clara. O Banco desenvolve, desde então, opiniões e atitudes
visi-velmente contraditórias. Reconhece a importância dos investimentos em
educação superior, importantes para o crescimento econômico porque melhoram a
produtividade individual e, em largo prazo, os rendi-mentos econômicos da
pesquisa e do desenvolvimento tecnológico, o que colabora com a redução da
pobreza.
Mas considera que as taxas de rendimento
social no ensino supe-rior são inferiores às dos níveis primário e secundário,
cujo impacto é maior na redução da pobreza. Por isso, o Banco solicita que o
ensino primário e o secundário recebam uma atenção diferenciada e, no caso do
ensino superior, o compartir custos (leia-se estimular o ensino pago) e
fomentar a educação superior privada colaborariam com a necessida-de de
investir mais na educação básica e ainda por cima reduziriam os custos públicos
da educação superior.
FINANCIAMENTO
E RETORNO SOCIAL
Não se fala, evidentemente no Consenso
de Washington, mas es-tas medidas se encaixam nas propostas do Consenso visando
a reduzir a presença do Estado nos gastos sociais. Vale a pena deter-se um
pouco neste tema, difícil para leigos em matéria de economia. Quando se discute
a questão, as posições são dogmáticas, os termos utilizados não são os de
conhecimento e utiliza-ção geral, quem é leigo acaba ficando atemorizado, sente
que está sen-do manipulado, mas tem dificuldades de reagir ou mesmo de levar
adi-ante um debate. Fica naquela posição de enfrentar um interlocutor que, claramente,
o faz sentir-se um ignorante.
A verdade é que, até hoje, muitos economistas
e analistas centram o debate nas diferenças entre os retornos sociais e
privados ou indivi-duais, comparando o que ganham os indivíduos com os benefícios
que recebe a sociedade pelas inversões feitas em educação, em particular na educação
superior. Por meio de análises em que os sofismas se multi-plicam, defendem que
os rendimentos para a sociedade são mais im-portantes na educação primária e,
utilizando um atalho muito ligeiro, concluem que os países em desenvolvimento
não devem considerar prioritária a educação superior. Ao contrário, assinalam,
devem reduzir ou eliminar os gastos neste setor da educação.
Peter Atherson, um professor
infelizmente já falecido, da Brock University no Canadá, recordava, no final
dos anos de 1980, que este método de análise trata do custo econômico da
aquisição como uma inversão (financeira) e o compara com as vantagens
econômicas. Uma taxa de rentabilidade pessoal (vantagens mais elevadas para a
vida in-dividual) expressa o rendimento da inversão do indivíduo em sua própria
instrução (direitos, materiais e anos sacrificados etc.). Uma taxa de
rentabilidade social significa o rendimento da inversão total em educação
(gastos públicos para programas de formação sob a for-ma de subvenções
diversificadas). A metodologia é semelhante à que se utiliza para calcular o
valor atual de uma quantidade que alguém receberá mais tarde.
Recordemos que o economista que mais se
destacou defendendo esta idéia foi o Sr. Psacharopoulos, alto funcionário do
Banco Mundial no final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990. No entanto,
este mesmo autor, em publicações mais antigas, afirmava, com muito mais clareza,
correção e exatidão, que este método não reflete necessariamente a experiência
futura dos jovens diplomados de hoje e é ainda mais im-provável que consiga traduzir
com exatidão a experiência dos diplomados que abordarão o mercado de trabalho dentro
de vários anos, porque se terá tomado hoje tal ou qual decisão com respeito ao
investimento.
Notemos que, nos documentos de 2000 e de
2002, os especia-listas do Banco Mundial reconhecem que estas análises
constituíram um equívoco, mas, de fato, quando se vêm as propostas feitas já no
iní-cio do século XXI, em realidade, elas estão subjacentes, estão implíci-tas
e as medidas sugeridas, ou seja, por exemplo, a de estimular a privatização e
eliminar totalmente a gratuidade, são as mesmas que se baseavam nas
considerações sobre retorno social do Sr. Psacharopoulos.
O certo é que, baseando-se em métodos
que são incapazes de dizer, por exemplo, o que representará para a sociedade o
trabalho de umanutricionista, às vezes até de um economista…, o que se busca
com este tipo de raciocínio – ainda presente nas discussões atuais – é
elimi-nar ou reduzir os investimentos em educação superior.
Para o documento de políticas da UNESCO,
por seu lado, a educa-ção, o ensino superior em particular, não é um
investimento financei-ro, mas um investimento social que terá um impacto sobre
a vida do indivíduo é certo, porém, o que é mais importante, implicará um
im-pacto social em largo prazo no que diz respeito à coesão social e ao
de-senvolvimento cultural.
Numa afirmação que mais tarde foi
retomada pela CMES, o docu-mento de políticas de fevereiro de 1995 afirmava
que:
a) o ensino superior é um dos elementos-chave
para se colocar em movimento processos mais amplos que são necessários para se
lidar com os desafios do mundo moderno;
b) o ensino superior e outras
instituições e organizações científi-cas e profissionais, por meio de suas
funções em ensino, trei-namento, pesquisa e serviços, representam um fator
necessá-rio no desenvolvimento e na implementação das estratégias e políticas
de desenvolvimento;
c) é necessária uma nova visão do ensino
superior que combine a demanda da universalidade do ensino superior com a
exi-gência de maior relevância, para que seja possível dar resposta às
expectativas da sociedade na qual exerce suas funções. Essa visão dá ênfase aos
princípios de liberdade acadêmica e de au-tonomia institucional, ao mesmo tempo
em que enfatiza a ne-cessidade de se prestar contas à sociedade.
PROPOSTAS
DIVERSIFICADAS
Como assinalamos no início, os
documentos, cujo décimo ani-versário se atinge agora, partiram de diagnósticos
comuns. Quando se chega às propostas para solucionar os problemas, o Banco
Mundial prescreve:
• estimular a diversificação
institucional, reforçando o setor pri-vado;
• redefinir o papel do governo com
respeito a sua relação com o ensino superior;
• concentrar todos os esforços na
questão da qualidade e da eqüidade.
O documento do Banco não chega a propor
a extinção das insti-tuições públicas – seria irrealista – mas ataca seus
fundamentos por in-termédio da questão do financiamento, sugerindo maior
investimento privado nessas instituições, concessão de apoio financeiro para
estudan-tes qualificados sem recursos e incentivos para se conseguir mais eficiência
na definição dos recursos públicos, o que significa, na prática, reduzir os
fundos aplicados na educação superior.
Para lograr estes objetivos, o Banco
recomendava então uma série de medidas que começaram a ser apresentadas,
concretamente, aos governos durante as negociações de empréstimos feitos pelos
países. Destaque-se que, muitas vezes, seus representantes, ao negociarem
empréstimos que nada ti-nham a ver com educação superior, passaram a tentar
incluir estes itens nas negociações. Foi o que ocorreu, por exemplo, nas
discussões com o mi-nistro da Educação do Brasil, no governo de Itamar Franco,
o Sr. Murílio Hingel, que, de pronto, rechaçou essas propostas. O mesmo,
possivelmen-te, não terá ocorrido em todos os países em desenvolvimento.
Recorde-se que, ao analisar esta questão,
a especialista sueca Berit Olsson recordou, com pertinência, que os dois
documentos fornecem conselhos para os que são responsáveis por políticas no
nível nacional. Uma diferença primordial consiste no fato de que os conselhos
da UNESCO podem ser adotados ou descartados pelos Estados-membros sem nenhuma
implicação no que diz respeito a oportunidades de empréstimo, enquanto isto
pode não ser o caso com as recomendações do Banco Mundial (...).
Entre as medidas propostas pelo Banco
estavam:
a) o estabelecimento de um quadro de
políticas coerentes, com o reforço da diversificação;
b) uma orientação de mercado para
implementar as políticas, em particular no que se refere à gestão dos
estabelecimentos de ensino superior;
c) uma maior autonomia das instituições,
autonomia no caso significando não o desenvolvimento da capacidade crítica, mas
uma maior descentralização na gestão. Esta autonomia seria acompanhada de
medidas visando à prestação de con-tas das instituições através de critérios
precisos de avaliação.
Além disso, mencionava-se a busca de
eqüidade e uma melhor resposta às exigências do mercado de trabalho. Não se
pensava em vín-culos com o mundo do trabalho, mas em maior integração com o
setorprodutivo, com as empresas, que deveriam estar presentes nos conse-lhos
das universidades.
Do lado do documento da UNESCO, conforme
já foi assinalado, o que se buscou com o documento de políticas não foi o
estabelecimento de regras rígidas de caráter universal, mas sim definir um
quadro que pudesse ser aplicado nos diversos contextos, segundo as situações
soci-ais e culturais de cada país.
O documento chama a atenção, de partida,
ao fato de que, apesar do enorme progresso em muitas áreas do desenvolvimento
humano, o mundo de hoje está cercado de tremendos problemas e desafios,
domina-do pelas mudanças demográficas (em razão do forte aumento populacional em
algumas de suas regiões), por freqüentes conflitos e guerras étnicas, fome,
doenças, pobreza persistente, falta de domicílios, desemprego conti-nuado de
longo prazo e ignorância, e também por problemas relacionados à proteção do
meio ambiente, manutenção da paz, democracia, respeito aos direitos humanos e
preservação das diferenças culturais. Para cumprir suas missões, o ensino
superior deve enfrentar tendências contraditórias noscampos da democratização,
da globalização, da regionalização, da polari-zação criada por desigualdades,
da marginalização de muitos países, da fragmentação que fomenta a discórdia
social e cultural.
Uma reforma profunda das estruturas e
dos sistemas do ensino superior havia sido previamente identificada como
necessária na maio-ria dos Estados-membros da UNESCOe, para isso, o documento
defen-deu a necessidade de uma rigorosa auto-análise das instituições sobre seu
funcionamento e suas relações com a sociedade em geral, em parti-cular no que
diz respeito ao desafio de desenvolver os recursos huma-nos e reduzir os níveis
de pobreza e de marginalização existentes.
PERTINÊNCIA,
QUALIDADE E INTERNACIONALIZAÇÃO
Para dar base às reformas, o documento
de políticas da UNESCO concentra suas análises e propostas dentro de três
grandes marcos: pertinência, qualidade e internacionalização.
Apertinênciavisa a fazer com que as
instituições de ensino su-perior contribuam para o desenvolvimento de uma
sociedade mais jus-ta. O atendimento às necessidades da economia deve ser feito
dentro de uma visão em que os valores éticos, a participação e o reforço da
de-mocracia estejam presentes. A pertinência implica o uso eficiente de recursos
públicos, o que supõe uma prestação de contas à sociedade e uma gestão eficaz,
num marco que preserve a autonomia e as liberdades acadêmicas. A avaliação, no
entanto, deve ser vista como instrumento para melhorar a qualidade e a
pertinência e não como meio de controle financeiro ou de punição a
instituições.
A pertinência implica o desenvolvimento
de relações com o mun-do do trabalho que não se limitam aos interesses das
empresas e uma ação em favor do desenvolvimento do conjunto do sistema
educativo, com o qual a educação superior deve interagir ativamente.
A melhoria da qualidadefar-se-á por
diversos meios, entre os quais a reforma das práticas de ensino e de preparação
de programas, com a introdução de estudos multidisciplinares, a utilização de
novas tecnologias, desenvolvimento de programas flexíveis e programas de educação
permanente. O desenvolvimento da pesquisa sobre a própria educação superior é
considerado indispensável assim como a reforma das políticas relativas ao
pessoal das instituições de ensino superior.
A internacionalização, que alguns hoje
confundem com comercialização, em nível global, é considerada essencial em
primeiro lugar para reduzir os desníveis entre países desenvolvidos e em
desenvolvi-mento, por meio da transferência do conhecimento e da tecnologia, o que
implica o desenvolvimento de uma colaboração solidária para am-pliar o
entendimento intercultural utilizando o intercâmbio de profes-sores, estudantes
e pesquisadores. Sabendo-se que nenhuma instituição pode hoje atingir
excelência em todos os campos, a cooperação, sobre-tudo por meio da formação de
redes em que os interesses dos partici-pantes sejam comuns, é indispensável.
De uma maneira ultra-sintética, então,
pode-se dizer que estes dois documentos os quais, desde então, serviram de base
a reflexões mais aprofundadas sobre o ensino superior e que tanta influência
exerceram, embora partindo de diagnósticos similares sobre a realidade da
educação superior no mundo, caracterizam-se pelos seguintes elementos:
O documento do Banco Mundial “Higher
education – The lessons of experience” apresenta uma visão economicista,
visando ao uso eficien-te de recursos em um quadro de políticas bem definido.
Embora menci-one a eliminação da pobreza como um objetivo último a alcançar,
não se pode dizer que o documento manifeste interesse em que a educação
su-perior enfrente os problemas básicos da sociedade, inclusive as causas da pobreza
e da exclusão.
O documento de políticas da UNESCO, de
1995, apresenta uma visão humanista baseada num contexto de diálogo e de
participação. A educação superior é vista como inversão social no longo prazo em
bus-ca de uma coesão social. Para Berit Olsson, “o documento do Banco Mundial
apresenta as universidades como problemas para as sociedades. A UNESCO, de sua parte,
mantém o foco sobre problemas na sociedade e na necessidade de reforçar as
universidades de maneira que elas possam responder me-lhor a estes desafios e
contribuir a uma mudança”.
Quando se analisa a evolução dos estudos
sobre ensino superior nos últimos dez anos, assim como os intentos de reforma
que se reali-zaram no mundo durante todo este tempo, não há dúvidas de que o ponto
de partida, a explicação de muitas posições, sejam favoráveis a uma integração
deste nível de ensino no mercado comercial, sejam os esforços para manter a
educação como um direito e como um bem pú-blico, encontra a fundamentação
dessas posições nestes dois documen-tos elaborados por volta de 1994.
EVOLUÇÃO
DENTRO DO BANCO MUNDIAL
Não é o objetivo deste artigo analisar a
evolução ocorrida neste campo, nos últimos dez anos. Em rápidas pinceladas,
recordemos o já acima mencionado, que, em 2000, o Banco Mundial publicou o
docu-mento “Higher education in developing countries – Peril and promises”, resultado
de um grupo de trabalho anunciado como de responsabilidade conjunta do Banco e
da UNESCO, mas que, em realidade, foi totalmente controlado pelo Banco Mundial
(ver p. 41 e 42 de “Perpectivas de la Educación Superior en el Siglo XXI”, Fundación
Universitaria para la Cooperación Internacional, CRUE, Madrid, 2002).
O documento contou com a colaboração de
alguns especialistas competentes, mas a metodologia utilizada era elitista. No
momento em que toda a comunidade acadêmica internacional e diversas
organiza-ções, inclusive o Banco Mundial, participavam do processo que
culmi-nou com a organização da Conferência Mundial de 1998 em Paris, um setor
do Banco, que não era o de educação, investia um montante ele-vado de recursos
para confiar a uma universidade norte-americana, que solicitou a colaboração de
especialistas de vários países, o direito de falar em nome do mundo. Por certo,
devem-se a esses especialistas – ou pelo menos a alguns deles – progressos na
apresentação dos problemas e nas propostas apresentadas. Reconhece-se a
importância da educação superior para o desenvolvimento, criticam-se os
trabalhos de especialis-tas do próprio Banco relativos ao retorno social dos
diversos níveis de educação, dúvidas são levantadas sobre o fato, antes
apresentado como dogma, de que cobrança de matrículas e o ensino pago são
fórmulas mágicas para resolver o problema do financiamento da educação
supe-rior e, de quebra, colaborar com políticas de eqüidade, enfatiza-se a
im-portância da pesquisa, considerações pertinentes são feitas sobre os
sis-temas de franquias, vale dizer sobre a comercialização da educação superior.
No entanto, no documento, persiste o
receio de se atribuir, como solicitava a CMES, maior responsabilidade aos
próprios estudantes no pro-cesso educativo. O medo com relação ao estudante é
claro no texto. Com respeito aos efeitos da globalização, a defesa, sem
restrição, da privatização é mantida, quando se apresenta a diversificação
institucional como sinô-nimo de qualidade. Há que se recordar que, se há
instituições de quali-dade organizadas sob o direito privado, como várias
universidades católi-cas ou metodistas na América Latina, tal situação está
longe de ser a realidade geral pelo menos neste continente. A relação com o
mundo do trabalho continua sendo vista de maneira estreita, destacando-se a
defesa dos interesses das empresas e o serviço que as universidades devem
pres-tar às indústrias.
Mais importante, no entanto, é a questão
da contextualização. Um dos pontos destacados pelos trabalhos que culminaram
com a CMES foi o de que não há qualidade sem pertinência. Não há qualidade se
os estabelecimentos de ensino superior não são autônomos, autonomia en-tendida
como vinculada às liberdades acadêmicas e dando condição a professores,
pesquisadores e estudantes de exercerem sua capacidade crítica ante os
problemas mundiais e nacionais. Não há qualidade se professores e estudantes
não são valorizados, se as instituições de ensi-no superior não estão
comprometidas com a busca de solução dos pro-blemas fundamentais da sociedade
num momento determinado. A so-ciedade não se limita às empresas e muito menos
às multinacionais.
A educação superior não pode viver isolada
dos problemas da sociedade, e não pode ignorar, nem deixar de reagir, à redução
dos gastos sociais nos países em desenvolvimento por causa da dívida externa,
do incremento da exclusão, da concentração de riquezas. Trata-se, pois, de um documento
cuja legitimidade não é clara e que não despertou maior interesse, apesar de
conter, como se acentuou acima, elementos que re-presentam uma evolução
positiva.
Tal fato explica talvez por que o Banco
tenha se apressado em promover imediatamente a elaboração de um outro documento
que pa-rece representar, hoje, sua posição oficial: “Constructing knowledge societies:
new challenges for tertiary education”.
Não se pode dizer que, para a elaboração
do documento, consul-tas não foram feitas. Foram e grandes especialistas foram
convidados a exprimir suas opiniões no mundo inteiro, mas o método ainda não
che-ga a ser legítimo, pois se trata de um processo sempre conduzido por um
pequeno grupo. Compreende-se o temor de se proceder a consul-tas abertas nos
meios acadêmicos. Sabe-se onde se começa, mas não se pode prever nunca onde se
vai chegar. Mas, apesar das dificuldades, a legitimidade exige um processo
amplo de consultas.
É verdade que o grupo de direção é
constituído por especialistas e funcionários que, dentro do Banco Mundial,
notabilizaram-se por sua capacidade de diálogo e pela tentativa de fundamentar
suas posições na realidade, fato que os levou, por exemplo, pelo menos
aparentemen-te, a rechaçar posições políticas e ideológicas radicais como as do
Sr. Psacharopoulos, o qual, nos anos de 1980, tanto insistiu em dizer que o
retorno social da educação superior não justificava os investimentos que nesse
nível faziam países em desenvolvimento, em particular na América Latina.
O documento aponta as vantagens da
utilização das novas tec-nologias, mas não desconhece os problemas que esta
pode criar aumen-tando a brecha entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Reconhe-ce, além disso, como requeria há dez anos o documento de políticas da UNESCOconfirmado
pela declaração da CMESde 1998, que a educação é um conjunto, que seus
elementos não podem ser separados, que uma reforma da educação, para ser
válida, deve atingir todos os seus níveis, que a educação superior, bem conduzida,
reforçará a coesão social.
Mas, banco é banco, e mesmo estes
funcionários tão dedicados e tão honestos na tentativa de se aproximar da
realidade social não con-seguem dar um salto maior. No final do percurso, “at
the end of the day” como dizem os anglo-saxões, as soluções continuam as mesmas.
A diversificação institucional com prioridade à privatização, o compartir de
custos, sinônimo de estabelecimento de cobrança da educação, é sempre
enfatizado; as medidas propostas não serão capazes de evitar o elitismo nem de
estabelecer sistemas de cooperação que sejam realmen-te solidários.
Não há dúvidas de que é um documento
progressista caso se com-pare com seu similar de 1994. Mas é um documento que
não pode sa-tisfazer a quem considere a educação superior um bem público. Nele,
seus autores lançam a idéia bastante ambígua de que educação superior é um bem
público global. Como bem assinalaram participantes latino-americanos na
Conferência Paris + 5, a qual, em junho de 2003, revisou e confirmou as opções
feitas pela Conferência Mundial de 1998, bem público é uma coisa, bem público
global pode significar outra coisa com-pletamente diferente.
Aquele pode representar a cooptação de
um movi-mento amplo, com raízes sociais profundas, que requer autonomia e in-dependência,
quando o “bem público global”, em tempos de OMC, pode muito bem significar uma
volta a um período de uniformidade cultural.
Não há que se esquecer de que tal
definição foi feita no momen-to mais intensivo dos debates sobre as propostas
levantadas na Organi-zação Mundial do Comércio, as quais podem, segundo muitos,
trans-formar a educação em simples mercadoria. Bem público global, no momento
em que um pequeno grupo de instituições dominadas justa-mente por países
industrializados e apoiado por departamentos do atu-al governo norte-americano
e por instituições como a OCDE e o Banco Mundial, os quais tentam definir o que
é qualidade com base na expe-riência de alguns poucos Estados-membros da OCDE,
não é expressão de natureza a assegurar aos que pensam que educação é um
direito que eles terão ganho de causa com o novo conceito. Bem público global pode,
sim, significar a adoção de medidas neocolonialistas, inaceitáveis em pleno
século XXI.
Tal suposição é reforçada quando, ao se
analisarem as propostas concretas formuladas pelo novo documento, justamente as
que, por cer-to, receberão tratamento prioritário nos programas de
financiamento do Banco, a primeira delas repete, em sua integralidade, o que já
havia sido fixado no documento de 1994, ou seja, o crescimento da
diversifi-cação institucional por meio da ampliação de instituições
não-universi-tárias e de instituições privadas.
EVOLUÇÃO
NO QUE SE REFERE À UNESCO
Do lado da UNESCO, depois de 1994-1995,
os esforços concen-traram-se na preparação e organização da Conferência Mundial
sobre o Ensino Superior, por meio de um amplo processo participativo ao qual estiveram
associados os governos dos Estados-membros da organização, entidades
não-governamentais interessadas de alguma forma no ensino superior, representantes
do mundo acadêmico, em particular de diri-gentes universitários, professores e
estudantes, representantes da socie-dade civil em geral.
Muito já se falou sobre a CMES. Ela, em
realidade, consolidou uma longa tradição de apoio, dentro do sistema das Nações
Unidas, à concep-ção de educação, em particular à educação superior, como um
direito hu-mano atribuído a todos, sem discriminação de espécie alguma, seja de
raça, gênero, idioma, religião ou qualquer rejeição fundamentada em
con-siderações econômicas, culturais, sociais ou em handicapsfísicos.
A CMES definiu alguns princípios
fundamentais além da não-dis-criminação. Pertinência e qualidade devem vir
sempre juntas, o estu-dante deve estar no centro do processo, a função dos
professores deve ser valorizada, a qualidade leva em conta situações concretas
no campo sociocultural, sendo rejeitada qualquer tentativa de imposição de
mo-delos únicos, as novas tecnologias devem ser utilizadas para facilitar a democratização,
a cooperação baseada na solidariedade é fundamental nos dias de hoje.
A educação superior é vista como um bem
público e a função do Estado para garantir este conceito é considerada
indispen-sável. Nos debates que precederam a CMES, ficou muito claro que a
edu-cação superior, para ser pertinente, deve contribuir para a busca de
so-lução dos problemas importantes da sociedade e é parte de um sistema mais
amplo, o sistema educacional, tendo ela responsabilidades a exer-cer para o bom
funcionamento desse sistema em sua integralidade.
Uma olhada no que se passou nestes
últimos dez anos e no que ocorre hoje, em nível mundial, revela que é
importante bem definir o conceito de bem público e de serviço público que lhe é
correlato. Ao tem-po em que se promovia todo este debate, no marco da OMC, desenvol-veu-se
todo um sistema que, se levado às últimas conseqüências, trans-formará a
educação superior em simples mercadoria (ver número especial da revista
Educação & Sociedadepublicado em 2003, n. 84, v. 24).
Recentemente, funcionários da UNESCO,
com a colaboração de ser-vidores da OCDEe de alguns especialistas
internacionais conhecidos por suas posições aparentemente neutras, elaboraram
um documento ain-da não oficializado pelos órgãos diretores da organização, no
qual se es-camoteia o sentido de bem público, no qual se omitem referências a instrumentos
das Nações Unidas e da própria UNESCOmais favoráveis à concepção que foi sempre
defendida pelos Estados-membros da orga-nização, no qual se trata do problema
da diversificação de uma manei-ra parcial muito próxima da visão dos documentos
da OCDEe do Banco Mundial.
A posição oficial da UNESCOencontra-se,
segundo pronunciamen-tos recentes dos responsáveis pelas políticas no campo do
ensino supe-rior, na declaração da Conferência Mundial de Paris, realizada em
1998, ratificada em 2003. No entanto, estamos assistindo a um movimento mais
para consolidar, no nível de todas as organizações, um pensamen-to único?
PERSPECTIVAS
E PERPLEXIDADES
Fazer futurismo nestas matérias não é
tarefa fácil. Mas trata-se, sem dúvida, de mais uma missão a ser desenvolvida
pela comunidade acadêmica e seus representantes, que devem esforçar-se para
conhecer as tendências, analisar as manipulações e buscar orientações que
asse-gurem ao ensino superior condições para executar suas missões.
Deve-se observar também o que acontecerá
com a idéia de elabo-ração de uma convenção, no marco da UNESCO, sobre a
diversidade cultu-ral. É evidente que uma das aplicações concretas mais imediatas
de uma convenção desta natureza será a necessidade de se respeitarem os
aspec-tos culturais dos sistemas específicos de educação superior. Este
princí-pio e esta defesa sempre tiveram guarida, dentro da UNESCOe agora no marco
da OMC, entre um grupo de países, em particular os países em de-senvolvimento
membros, no passado, do Grupo dos Setenta e Sete.
Esta concepção parece ter sido também,
sempre, a das delega-ções de vários países desenvolvidos, entre eles o Japão,
cujos delegados sempre tiveram especial atenção a medidas que pudessem
prejudicar a especificidade de suas instituições de ensino superior, ao caráter
único de sua cultura e à soberania do país. E, por certo, a visão de sistemas de
educação superior pertinentes, compatíveis com as culturas de cada povo, sempre
recebeu apoio entusiástico da comunidade acadêmica in-ternacional.
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