Blog História do Ensino Superior Mundial, de autoria de Álaze Gabriel.
Disponível em http://historiadoensinosuperiormundial.blogspot.com.br/
Autoria:
Viviane
de Queiroz. Universidade Federal Fluminense.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar as políticas do Banco
Mundial (BM) para a educação superior na América Latina nos anos de 1990 e
início do novo século. Busca, portanto, investigar como os documentos do Banco
nesse período concebem o processo de diversificação das Instituições de
Educação Superior (IES) e dos cursos, e a diversificação das fontes de
financiamento da educação para a periferia do capitalismo como eixos da intensa
reformulação da educação superior naqueles países. Apresento uma pesquisa
qualitativa e documental buscando analisar as diretrizes da reformulação da
educação superior nos países periféricos, elaboradas e difundidas pelo BM para
atender os interesses do capital, que busca novos campos de exploração
lucrativa, especialmente no contexto pós crise dos anos de 1970. Apresento um
breve histórico do papel do Banco Mundial, sujeito político do capital,
analisando a configuração da institucionalidade capitalista, o papel do Estado
burguês e das políticas sociais nesta ordem societária e; uma análise da
política de diversificação das IES e dos cursos e de diversificação das fontes
de financiamento da educação superior dos países periféricos presente em quatro
importantes documentos elaborados pelo Banco Mundial nos anos de 1990 e início
do novo século. Nesses, documentos, o Banco apresenta a sua concepção de
política educacional, especialmente de educação superior, direcionada para
esses países.
Palavras-chave: Banco Mundial; Educação Superior; Diversificação
das IES/cursos; Diversificação das fontes de financiamento.
APRESENTAÇÂO
Este trabalho tem como objetivo analisar as políticas do Banco
Mundial (BM) para a educação superior na América Latina nos anos de 1990 e
início do novo século. Busca, portanto, investigar como os documentos do Banco
nesse período concebem o processo de diversificação das Instituições de Educação
Superior (IES) e dos cursos, e a diversificação das fontes de financiamento da
educação para a periferia do capitalismo como eixos da intensa reformulação da
educação superior naqueles países.
O interesse nesta temática surgiu do trabalho de pesquisa
realizado durante quatro anos no Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Superior (GEPES), vinculado à Escola de Serviço Social da Universidade Federal
Fluminense (UFF) e ao Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e
Educação (NEDDATE) do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF, ambos
cadastrados no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e na FAPERJ, coordenado
pela profª.drª. Kátia Lima.
Realizo uma pesquisa qualitativa e documental buscando analisar as
diretrizes da reformulação da educação superior nos países periféricos,
elaboradas e difundidas pelo BM para atender os interesses do capital, que
busca novos campos de exploração lucrativa, especialmente no contexto pós crise
dos anos de 1970. Apresento um breve histórico do papel do Banco Mundial,
sujeito político do capital, analisando a configuração da institucionalidade
capitalista, o papel do Estado burguês e das políticas sociais nesta ordem
societária; e uma análise da política de diversificação das IES e dos cursos e
de diversificação das fontes de financiamento da educação superior dos países
periféricos presente em quatro importantes documentos elaborados pelo Banco
Mundial nos anos de 1990 e início do novo século. Nesses, documentos, o Banco
apresenta a sua concepção de política educacional, especialmente de educação
superior, direcionada para esses países: 1) 1994 – “La enseñanza superior: Las
lecciones derivadas de la experiência” (O ensino superior: As lições derivadas
da experiência); 2) 1997 – “Relatório sobre o desenvolvimento mundial. O Estado
em um mundo em transformação”; 3) 1999 – “Estratégia para o setor educacional -
documento estratégico do Banco Mundial: a educação na América Latina e Caribe”
e; 4) 2003 – “Construir Sociedades de Conocimiento: Nuevos Desafios para la
Educación Terciaria” (Construindo a sociedade do conhecimento: novos desafios
para a educação terciária).
PROBLEMATIZAÇÂO
No final da Segunda Guerra Mundial sob tutela dos Estados Unidos
visando uma nova ordem mundial, na Conferência de Bretton Woods1 realizada em
1944, foram criados o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional com o
objetivo de reconstruir e recuperar os mercados dos países afetados pela guerra
em curso. O Banco Mundial (cujas políticas para a área da educação constituem
objeto específico deste trabalho), sujeito político do capital, desde sua
criação atende aos interesses estadunidenses seguindo as premissas fundamentais
estabelecidas pelos mesmos, “centradas no tripé: livre mercado, sem
discriminação em relação aos EUA; clima favorável para investimentos dos EUA no
exterior; e livre acesso às matérias primas” (Leher, 1998, p. 103). Assim,
diante das disputas entre projetos antagônicos de sociabilidade (capital e
trabalho), a burguesia busca estratégias para manter a sua hegemonia,
elaboradas e difundidas por esses importantes sujeitos políticos do capital.
É nesse contexto de Guerra Fria, período histórico de disputas
estratégicas e conflitos entre os Estados Unidos e a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas, entre o final da 2ª Guerra Mundial (1945) e a extinção
da URSS (1991), um conflito por áreas de influência entre o capitalismo e o
comunismo, que o BM passa a conceder empréstimos aos países da periferia do
capitalismo para difusão do projeto burguês de sociabilidade, garantindo a
segurança do capitalismo e estabilidade econômica para reprodução da
lucratividade do capital. Como demonstra Leher (1998) esta afirmação estava
presente no discurso do advogado, John McCloy, que assumiu em 1947 a
presidência do BM, considerando que: “os empréstimos não seriam caritativos,
mas instrumentos para criar mercados para os EUA e para combater o comunismo”
(Leher, 1998, p. 107). Este processo configura um conjunto de mudanças do
sistema capitalista sob tutela dos EUA.
Nesse sentido, visando conter a expansão do comunismo, o BM passa
a construir um “novo estilo” de projetos para “aliviar a pobreza”, no qual “os
projetos de educação e de saúde tornaram-se também pela primeira vez uma parte
significativa do portfólio do Banco Mundial” (Toussaint, 2002, p. 179). Para
não por em risco a ordem hegemônica (capitalista) o BM passa a defender que
para atingir o desenvolvimento os países periféricos deveriam implementar
políticas de “alívio a pobreza”. Assim,
O Banco Mundial começou a atuar na área educacional na década de
1960, tendo como prioridade o ensino técnico-vocacional. Tal prioridade
decorreu da visão predominante na época, de educação como formadora de
mão-de-obra especializada necessária ao processo de desenvolvimento (entendido
como industrialização) [...]. (Siqueira, 2004, p. 47)
A reconfiguração das políticas educacionais dos países
periféricos, direcionada pelo BM a partir desse período considera, desta forma,
o papel da educação estrategicamente como um instrumento de controle e
dominação para garantir a segurança da ordem burguesa e conter a crise do
capitalismo.
Com o avanço do neoliberalismo nos países periféricos gerando um
profundo processo de mercantilização dos vários setores sociais, especialmente
a educação, a política de educação superior direciona-se para os interesses
mercadológicos e de lucratividade do capital nacional e internacional.
Nessa perspectiva, o Banco Mundial entre outros organismos
internacionais, a partir da década de 1990, apresenta sua concepção sobre a
política educacional que será implementada pelos países periféricos através da
expansão do ensino privado e da privatização do ensino público.
Com base nessa perspectiva, destaco primeiramente, como um
importante documento elaborado pelo Banco Mundial em 1994 – “La enseñanza
superior: Las lecciones derivadas de la experiência” (O ensino superior: As
lições derivadas da experiência) no qual estarão presentes dois eixos
norteadores da política do Banco, intensificando assim, o processo de
privatização da educação superior com base em dois eixos:
a) a expansão de instituições privadas através da liberalização
dos serviços educacionais; b) a privatização interna das instituições públicas,
através das fundações de direito privado, das cobranças de taxas e
mensalidades, do corte de vagas para contratação dos trabalhadores em educação
e do corte de vagas para a infra-estrutura das instituições. (Lima, 2005, p.
130)
Este documento de 1994, parte da consideração de que a relação
professor / aluno é muito baixa nas universidades federais desses países,
citando o Brasil como exemplo, “que apresenta uma relação de sete alunos para
um professor” (BM, 1994, p. 22, tradução nossa). Esta análise propõe a
reconfiguração do processo de trabalho docente, focando apenas o ensino e
indicando o fim da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Para
esse organismo internacional, a crise da educação superior é maior nos países
da periferia do capital, pois a questão central não é a falta de recursos, mas
sim o mau gerenciamento desses, destacando que os gastos dos Estados são muito
altos com a assistência estudantil.
O Banco orienta que a realidade fiscal da esmagadora maioria dos
países “em desenvolvimento sugere que as melhorias da qualidade e o aumento das
matrículas no ensino superior devem ser alcançados com pouco ou nenhum
aumento nos gastos públicos” (BM, 1994, p.28, tradução e grifos nossos). Segundo
a concepção do Banco Mundial, da crise fiscal enfrentada por esses países,
resulta a crise do ensino superior, contudo afirma que esse setor precisa
passar por “reformas” apresentando como estratégias quatro orientações
principais: 1) incentivar uma maior diferenciação das instituições, incluindo o
desenvolvimento de instituições privadas; 2) oferecer incentivos para que as
instituições públicas diversifiquem suas fontes de financiamento; 3) redefinir
o papel do governo no ensino superior; 4) adaptar políticas que se destinam a
dar prioridade aos objetivos de qualidade e equidade. (BM, 1994, p. 4, tradução
nossa)
Com relação à primeira estratégia, a idéia central é a
diversificação das instituições de ensino superior e dos cursos (cursos de curta
duração, ciclos básicos, entre outros), sob o discurso que essa diversificação
objetiva desenvolver e melhorar a qualidade desse setor de ensino. Segundo o
Banco Mundial, foram surgindo vários tipos de instituições não universitárias
em diferentes países. A “principal vantagem destas instituições é o menor custo
dos programas, que é o resultado de cursos mais curtos, menor taxa de abandono
e menos custo anual por estudante” (BM, 1994, p. 34, tradução nossa). Essa
estratégia não objetiva atender os interesses da classe trabalhadora, e sim,
melhor atender as demandas do mundo do capital.
Nesse sentido, a criação desses vários tipos de instituições de
ensino superior, não é para atender de forma qualitativa os anseios dos
trabalhadores e filhos dos trabalhadores dos países periféricos, para os quais
são elaborados e direcionados esses cursos, pois como afirma o Banco, “as
instituições não universitárias ajudam a satisfazer a maior demanda de acesso
por ensino pós-secundário dos grupos minoritários e dos estudantes
economicamente em desvantagens” (BM, 1994, p.35, tradução nossa). Na aparência
desse fenômeno há um caráter de ampliação do acesso da classe trabalhadora ao
ensino superior, porém o acesso caminha junto com a desqualificação da formação
profissional, de forma que os estudantes não irão participar de atividades de
pesquisa e extensão. Nesse mesmo contexto, o ensino à distância se [...]. Os
programas de educação à distância (EAD) são geralmente muito menos caros que os
programas universitários atuais, devido o mais alto número de estudantes por
professor” (BM, 1944, p.36/37, tradução e grifos nossos). Esse discurso de
ampliação do acesso ao ensino superior via EAD omite que o uso das TIC’s vem se
constituindo em uma das principais estratégias de empresariamento da educação
superior. insere como uma das estratégias do Banco para a diversificação das instituições
de ensino superior, o qual destaca que esse método de ensino pode ser eficaz e
para aumentar a um custo moderado o “acesso dos grupos desfavorecidos
Nas orientações do Banco Mundial, há um intenso processo de
mercantilização da educação superior que perpassa todo o documento, esse setor
é direcionado como um serviço e não como um direito. O modelo de IES indicado
para a periferia do capital são as instituições voltadas apenas para o ensino e
que atendam os interesses do mercado.
O cerne da segunda estratégia é a diversificação das fontes de
financiamento das universidades públicas. O Banco orienta que para que esse
setor de ensino se torne eficiente, os governos deverão efetuar reformas
importantes no financiamento a fim de: “mobilizar mais fundos privados para o
ensino superior; proporcionar apoio aos estudantes qualificados que não podem
seguir os estudos superiores devido à renda familiar insuficiente; e melhor a
eficiência da destinação e utilização dos recursos fiscais entre e dentro das instituições
estatais.” (BM, 1994, p. 44, tradução nossa). A essência desse discurso, como
foi analisada anteriormente, é a defesa da não exclusividade financiamento
público e a intensa participação do setor privado na educação superior. As
políticas do Banco Mundial são compartilhadas pelos governos locais, para
atender os interesses da burguesia nacional e internacional, visando o
empresariamento do ensino superior público da periferia do capital.
Contudo, as diversas ações elaboradas pelo Banco Mundial, buscam
transformar a universidade pública em um campo de exploração para o capital.
Para o Banco, os governos podem mobilizar um maior volume de fundos privados de
“várias maneiras: mediante a participação dos estudantes nos gastos, a
arrecadação de fundos de ex-alunos e fontes externas e a realização de outras
atividades que geram recursos” (BM, 1994, p. 44, tradução e grifos nossos).
Propõe que os estudantes paguem suas matrículas e mensalidades, considerando a
assistência estudantil como sendo atividade não relacionada à educação, assim a
defesa pela não alocação de verbas públicas para alojamento, alimentação e
segurança. Propõe ainda doações de ex-alunos e empresas privadas, além da
parceria com as fundações de direito privado e convênios com empresas para
consultoria e pesquisa. Em troca dos investimentos privados, essas empresas
poderão utilizar os equipamentos e espaço físico público para atender seus
interesses, assim como as pesquisas, os cursos pagos que serão destinados as
demandas e prioridades do mercado.
A questão da redefinição da função do Estado apresenta-se como a
terceira estratégia, a qual retira a responsabilidade de financiamento e a
manutenção do ensino superior público ser exclusivamente do Estado, através da
diversificação das fontes de financiamento, como foi analisada anteriormente,
além de reforçar a atuação do setor privado para esse nível de ensino.
Segundo o documento de 1994, o êxito de execução das reformas
educacionais depende de: “um marco coerente de políticas; apoio com incentivos
e instrumentos orientados ao mercado para ampliar as políticas; e uma maior
autonomia administrativa das instituições públicas” (BM, 1994, p. 62, tradução
nossa). De acordo com a tradição liberal o mercado é o espaço da autonomia,
logo para o Banco a autonomia representa a chave do êxito da reforma do ensino superior
público, sendo central a redução ou a não alocação de verbas públicas a esse
setor de ensino e as IES públicas terão que captar recursos de formas
diferenciadas atendendo a lógica do mercado. A autonomia é concebida, portando,
como autonomia financeira para captar recursos públicos ou privados. A quarta e
última estratégia veio sendo pautada ao longo de todo o documento, similar a
estratégia anterior, defende uma política de qualidade do ensino e pesquisa
nesse nível de ensino nos marcos e diretrizes do capital. O Banco indica que o
principal elemento para melhorar a educação pós-secundária é a
diversificação do ensino superior destacando os seguintes direcionamentos:
“melhor qualidade de ensino e pesquisa; maior adaptabilidade da educação
superior as demandas do mercado laboral; maior equidade” (BM, 1994, p. 74,
tradução nossa). Para atender a lógica de empresariamento da educação, todas as
pesquisas desenvolvidas nas universidades, públicas ou privadas, serão
designadas aos interesses do capital nacional e internacional.
É nesse contexto de alargamento do campo de exploração lucrativa
do capital que estão inseridas as políticas elaboradas pelo Banco Mundial para
o ensino superior público dos países periféricos, fundamentas pelo projeto
neoliberal de sociabilidade. Um projeto conduzido pelo Estado que direciona
essas políticas neoliberais, especialmente a política educacional.
A partir da crise de 1970, o sistema capitalista passa por uma
longa e profunda recessão, o neoliberalismo ganha força com a contenção dos
gastos sociais e a defesa de um amplo programa de privatização, assim como foi
destacado no capítulo anterior. Para Anderson (2008, p. 2), segundo as idéias
neoliberais o remédio para conter a crise era: “manter um Estado forte, sim, em
sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas
parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas”. É nesse
contexto de acirramento das políticas neoliberais e de reordenamento do papel
do Estado que está inserida a reformulação da educação superior nos países
periféricos.
De acordo com as análises dos intelectuais neoliberais, o Estado é
o grande responsável pela crise fiscal e o capital na busca de estratégias para
conter tal crise coloca como necessária a reformulação das relações entre
Estado e sociedade civil, buscando obter um consenso dos interesses entre
capital e trabalho para encobrir o antagonismo de classe. Segundo Dias (1999 p.
76/77):
[...] um dos erros vitais na análise da sociedade civil é pensá-la
como articulação de instituições indiferenciadas, expressão de interesses
universais, não contraditórios, sem caráter classista [...]. Para clarificar a
questão é preciso afirmar com clareza que a oposição sociedade civil/Estado
só é válida do ponto de vista liberal. Do ponto de vista marxista ela é uma
falsa oposição. Quem se opõe ao Estado são as classes subalternas [...]
(grifos nossos).
Governos nacionais compartilham com as políticas elaboradas e
direcionadas pelos organismos internacionais, defendendo um Estado que
consolide e represente as políticas educacionais desses sujeitos políticos do
capital.
A partir da metade da década de 1990, o Banco Mundial, elabora
análise críticas em relação ao “distanciamento entre Estado e o povo”,
defendendo que “a eficácia do Estado é maior quando se escuta as opiniões do
setor empresarial e da cidadania em geral e se proporciona a participação de
ambos os grupos na determinação e ampliação das políticas” (BM, 1997, p. 12,
tradução nossa). É neste contexto político que a ampliação da “participação da
sociedade civil começa a ser avaliada como eixo fundamental da Reforma do
Estado, no qual o “alívio da pobreza” e a coesão social são elementos centrais,
duas importantíssimas estratégias da contra-revolução neoliberal” (Lima, 2005,
p. 175).
Para “responder” a esse “distanciamento” o Banco Mundial elabora
em 1997, o “Relatório sobre o desenvolvimento mundial. O Estado em um mundo em
transformação”, questionando o papel do Estado no desenvolvimento e defende que
o “Estado é fundamental para o processo de desenvolvimento econômico e social,
porém não enquanto agente direto do crescimento, mas sim como um sócio,
elemento catalisador e impulsionador deste processo” (BM, 1997, p.1, tradução
nossa). Propõe que o Estado se reconfigure, e que para ser eficiente precisa
realizar “reformas” para que possa se adaptar ao “mundo em transformação”.
Segundo Ugá (2004), isso significa, para o Banco Mundial, que o Estado não deve
ser mais promotor direto do desenvolvimento, deixando essa tarefa para os
setores privados, porém criando um arcabouço jurídico que garanta a
movimentação lucrativa desses setores.
A destruição da esfera pública é a prioridade do projeto político
neoliberal, pois é necessário que o Estado divida a responsabilidade do
financiamento e a execução dos serviços públicos com o mercado, sob o discurso
de que em muitos países, os monopólios públicos de infra-estruturas, serviços
sociais e outros bens e serviços têm poucas probabilidades de ser eficazes.
O Banco defende a necessidade da “Reforma” do Estado nos países
periféricos com o objetivo de difundir um novo projeto de sociabilidade
burguesa, que ocorre através da utilização da noção de um descaracterizado “bem
público” como fundamento político para: “a) diluir as fronteiras entre público
e privado e b) legitimar o perverso processo de privatização em larga escala
dos serviços públicos” (Lima, 2005, p. 129). Reforçando o desenvolvimento do
setor privado, propõe a retirada da responsabilidade exclusiva do Estado na
implementação das políticas sociais, ou seja, “um processo de privatização bem
administrado produz grandes benefícios econômicos e fiscais” (BM, 1997, p.
1997, tradução nossa). O BM defende assim, o corte nos gastos sociais e cada
vez mais a destruição dos direitos sociais conforme afirma Dias (2005) a
resposta capitalista a sua crise é:
[...] Transformar em objeto mercantil a previdência, a saúde e a
educação. O Estado deve abandonar o campo do social, deve transformá-lo em
terreno de caça mercantil. Tudo, absolutamente tudo, deve ser submetido à mercantilização
[...]. Corta-se, destroem-se direitos sociais, asfixiam-se possibilidades de
organização sindical, produzem-se mutações no processo partidários e, acima de
tudo, desideologiza-se e despolitiza-se a luta [...] (Dias, 2005, p. 51).
Assim, o Banco Mundial, enquanto um organismo internacional do
capital visa atender as demandas do sistema capitalista. Sendo o cerne do
relatório de 1997 a defesa do reordenamento da atuação do Estado na periferia
do capital, no qual há um intenso processo de privatização dos serviços
públicos, onde está inserida a política educacional, especialmente a educação
superior, um processo que será aprofundado no final da década de 1990.
O sistema capitalista é sustentado e reproduzido através da
propagação da concepção burguesa de mundo. É nesse contexto, que a
“globalização econômica”, uma importante noção de ideologia burguesa é
elaborada e direcionada pelos sujeitos políticos do capital, especialmente os
organismos internacionais.
Para Lima (2005), este projeto apresenta-se sob a aparência de que
estaria consolidando uma homogeneização planetária, a configuração de uma
“aldeia global”, quando todos os indivíduos e países teriam acesso a todas as
mercadorias, incluindo as TIC’s (Tecnologias da Informação e da Comunicação) e
a informação, em tempo real, omitindo que a “globalização” reforça a
hierarquização entre os países centrais e periféricos e aprofunda as
desigualdades econômicas.
Entendo que a aparência do fenômeno não é falsa, entretanto
devemos desvendar a essência do discurso hegemônico, que omite um projeto de
dominação de uma classe sob outra. Segundo Dias (2006, p. 45-46), trata-se de
uma “brutal luta ideológica, travestida de modernidade capitalista. Esta luta
visa negar a possibilidade de uma identidade classista do trabalhador, negar
suas formas de sociabilidade e subjetividade”. O objetivo central para os
sujeitos políticos do capital é garantir essa dominação ideológica, retirar da
centralidade a luta de classe e ocultar que trata-se, de fato, de projetos
inconciliáveis de sociabilidade: capital e trabalho. Chossudovsky (1999)
defende que a “globalização econômica” privilegia apenas uma minoria, na medida
em que a grande maioria vivencia a “globalização da pobreza”, caracterizando
assim, um processo de hierarquização planetária que é obscurecido pela
manipulação dos números da “pobreza” global.
A categoria “pobreza” é, portanto, incorporada no receituário do
Banco Mundial, tendo como um dos objetivos centrais a “luta contra a pobreza”
ou o seu “alívio”. Ugá (2004) afirma que desde o início dos anos de 1990 que o
conceito “pobreza” passou a assumir centralidade nos documentos dos organismos
internacionais, especialmente o Banco Mundial.
Assim, segundo o documento de 1999 do BM, a política social tem um
caráter assistencialista, restrito e focalizado apenas para aqueles que forem
enquadrados como “pobre”. Neste sentido, a pobreza é concebida/classificada
como incapacidade de indivíduo e grupos sociais para conseguir condições dignas
de vida, como problematiza Ugá (2004, p. 60):
[...] A) Competitivo é aquele capaz de atuar livremente no
mercado, uma vez que tem competitividade (empregabilidade) para conseguir um
emprego, assegurar que não vai perder o que tem ou, ainda, se acontecer de
perdê-lo, conseguir um novo emprego; B) Incapaz é aquele que não
consegue nada disso. Ele não tem empregabilidade, nem é competitivo, uma vez
que não pode (ou não quis) intervir em seu próprio “capital humano” (grifos nossos).
É neste contexto que o discurso estratégico do Banco Mundial de
“combate a pobreza”, transforma os serviços sociais, como a educação, como
ações destinados aos “pobres” através das políticas sociais focalizadas e
compensatórias, e amplia o processo de privatização das políticas sociais para
aqueles que podem pagar pelos serviços privados. Nesse contexto, há um culto ao
individualismo, estimulando que um indivíduo ao educar-se e se tornar
competitivo estaria atingindo a sua “empregabilidade”. Nesse discurso o
desemprego e a “pobreza” aparecem como consequências da incapacidade
individual, omitindo que o desemprego estrutural e a desigualdade econômica e
social são necessários para manter e reforçar o sistema capitalista.
A partir destas problematizações verificamos que o Banco Mundial
lança o documento no final dos anos de 1990 reafirmando suas concepções de
educação e de universidade. O Banco em 1999 apresenta o documento (Estratégia
para o setor educacional - documento estratégico do Banco Mundial: a educação
na América Latina e Caribe) com uma análise sobre a educação nessa região no
decorrer da década de 1990 e suas diretrizes para esse setor no século XXI. O
objetivo central do Banco é “reduzir a pobreza mediante o crescimento
econômico, elevar o capital humano da América Latina e Caribe, particularmente
dos pobres” (BM, 1999, p. xii, tradução nossa). Para alcançar esta meta, no que
tange o ensino superior, o Banco considera como prioridades estratégicas:
incentivo financeiro às famílias pobres; aumentar as oportunidades de educação
superior por meios de bolsas; descentralizar os gastos públicos; diversificar e
reformar a educação superior, fortalecendo o papel integral do setor privado no
financiamento e prestação de serviço; estimular a ampliação do acesso através
da tecnologia (TIC’s).
O documento de 1999 retoma em vários aspectos o documento de 1994,
principalmente o caráter privatista que o Banco dá ao ensino superior. O Banco
Mundial reforça o processo de privatização do ensino superior e o papel da
educação como estratégia de “alívio da pobreza”. No documento o Banco reafirma
que os setores privados e sem fins lucrativos desempenham um papel importante
no financiamento e na prestação de serviços educacionais, especialmente no
nível superior, considerando que as ONG’s (Organização não-governamental)
“desempenham um papel importante no melhoramento das oportunidades de
aprendizagem aos pobres e o apoio fornecido pelo setor privado tem se tornado
cada vez mais importante” (BM, 1999, p. x/xi, tradução nossa). O principal eixo
norteador do documento é o seguinte: a reformulação do papel do Estado enquanto
financiador e executor das políticas de ensino superior, passando a dividir sua
responsabilidade com o setor privado, as ONG’s (identificado como setor público
não estatal) e as famílias. O documento (1999) sinaliza que durante a década de
1990 os governos da América Latina e Caribe têm se comprometido com as reformas
educacionais elaboradas pelo Banco, as quais têm como características centrais:
“o setor privado e ONG prestam serviços educativos, especialmente no nível
superior, e ajuda a melhorar as escolas estatais” (BM, 1999, p. 38, tradução
nossa). As TIC’s aparecem reduzidas ao ensino à distância sob o discurso de que
as universidades ditas tradicionais deveriam aderir aos “programas de
aprendizagem a distância como um meio de abordar problemas de acesso, equidade
e eficácia em função do custo, e como meio de ampliar o acesso” (BM, 1999, p.
46, tradução nossa) e, assim, ofereciam melhores resultados para a formação
profissional.
Para Lima (2005) ensino à distância é apresentado como uma
estratégia fundamental para a internacionalização da educação superior, a partir
das seguintes ações: i) flexibilização e padronização dos currículos; ii)
implantação de um sistema de avaliação que estimule a adequação da formação
profissional às demandas do mercado de trabalho e, iii) realização de uma
gestão empresarial que viabilize as parcerias entre setor público e setor
privado.
O documento de 1999 reitera, portanto, o eixo central do documento
de 1994: diversificar as IES; flexibilizar a gestão e o financiamento das
universidades públicas; diversificar as fontes de financiamento (fortalecimento
do setor privado); melhorar a qualidade e equidade concebidas como adequação da
educação as demandas do capital (BM, 1999, p. 103-104), estratégias que foram
elaboradas, difundidas e monitoradas nos países periféricos ao longo da década
de 1990 e que serão aprofundadas no início do novo século.
No século XXI o Banco Mundial continua dando destaque à
preocupação com o “alívio da pobreza” e a coesão social nos países da periferia
do capital, reforçando suas políticas apresentadas no documento de 1994 (O
ensino superior: As lições derivadas da experiência) para a educação superior
dos países periféricos. Essas políticas perpassam os documentos elaborados na
década de 1990 e são mantidas no novo século, sendo o documento de 1994
apontado como um “importante parâmetro para a definição de políticas e como
referência para a participação contínua do Banco Mundial na educação terciária”
(BM, 2003, p. x, tradução nossa), a partir das seguintes estratégias: a)
diversificação das instituições de ensino superior; b) diversificação das
fontes de financiamento; c) redefinição do papel do Estado; d) a implementação
de uma política de “qualificação” do ensino superior.
Uma importante referência destas políticas do BM é o documento
divulgado em 2003 – “Construir Sociedades de Conocimiento: Nuevos Desafios para
la Educación Terciaria” (Construindo a sociedade do conhecimento: novos
desafios para a educação terciária). Neste documento o Banco apresenta uma nova
denominação para a educação superior – “o documento introduz o deslocamento
central para passagem: de educação superior a terciária” (Barreto e Leher,
2008, p. 423). As chamadas instituições terciárias envolvem os diversos
tipos de cursos pós-médios e superiores, enfatizando uma educação etapista:
primária, secundária e terciária.
Além deste aspecto, neste documento o BM destaca novamente a defesa
da diversificação das instituições e dos cursos desse nível de ensino dos
países periféricos, afirmando que a educação terciária “deve ser mais
flexível, diversificada e eficaz, que concorde com as necessidades da economia
do conhecimento” (BM, 2003, p. xii, tradução nossa). É nesse contexto que se dá
ênfase aos vários tipos de instituições de ensino superior, como: os cursos de
curta duração, politécnicos, os pós-médios – cursos dentro das empresas para
que o trabalhador atenda a demanda/objetivos da empresa, ensino à distância –
com incentivo ao uso das tecnologias da informação e conhecimento (TIC’s).
Considero, nesse sentido, que essas instituições de ensino são
direcionadas para os trabalhadores e filhos dos trabalhadores, sob a aparência
de ampliação do acesso e de qualificação ao nível terciário. A essência destas
políticas omite a lógica de massificação do ensino, certificação em larga
escala, quebrando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (as
pesquisas são restritas a alguns poucos centros de excelência, sendo essas
voltadas aos interesses do mercado).
Na mesma lógica, a educação está a serviço do capital. Para o
Banco “as normas para o estabelecimento de novas instituições, incluindo as
privadas e as virtuais, não devem construir barreiras para o acesso ao
mercado” (BM, 2003, p. xxv, tradução e grifos nossos). Nesse sentido, a
maioria das vagas são criadas no setor privado para os trabalhadores da
periferia do capitalismo, direcionada para formar força de trabalho para o
capital, enquanto para classe dominante forma-se uma elite dirigente.
O ensino a distância apresenta-se como elemento central para
estratégias de reformulação da educação terciária dos países
periféricos. Segundo Lima (2007), esse processo configura um propício “mercado
educacional”, especialmente para os empresários nacionais e internacionais
(estadunidenses e europeus).
Outra importante estratégia prevê a diversificação das fontes de
financiamento, como destaquei anteriormente, através de participação do setor
privado no nível terciário de ensino. Esta política é defendida novamente nesse
documento de 2003, retirando do Estado sua função de oferecer/ inanciar
exclusivamente a educação pública e gratuita, defendendo que as instituições
devem “mobilizar recursos adicionais dos estudantes e suas famílias, e
estimular doações de terceiros” (BM, 2003, p. 78, tradução nossa). O documento
reafirma a estratégia do BM de transformar a educação superior, dita terciária,
em um vasto campo de exploração lucrativa para atender a demanda do capital,
através de cobrança de mensalidade e matrículas aos estudantes, corte de verbas
públicas para assistência estudantil (alojamento, alimentação, transportes)
concebida pelo Banco como atividade “não relacionada com a educação”, como
consta no documento (2003, p. xxiv):
[...] os países que gastam mais de 20% de seu orçamento para
educação terciária em atividades não universitárias como, por exemplo, a
assistência estudantil possivelmente estarão deixando de investir em
matérias pedagógicos, equipes, recursos bibliotecários e outros insumos
essenciais para uma aprendizagem de qualidade. (tradução e grifos nossos)
A redefinição do papel do Estado também está nesse discurso recente
do Banco Mundial. O Estado divide a sua responsabilidade de arcar com o
financiamento do ensino terciário através da diversificação das fontes de
financiamento, via participação do setor privado, pois “a prestação de serviços
educativos privados parece ter respondido a falta de capacidade do governo de
manter um sistema terciário eficaz” (BM, 2003, p. 79, tradução nossa).
Essa lógica de “empresariamento” da educação está presente na
política do Banco Mundial para a periferia do capital. Nesse contexto, fica
evidente que a educação superior ou educação terciária, conforme expressão do
BM é concebida como um dos principais instrumentos de difusão do projeto
burguês de sociabilidade e um promissor campo de exploração lucrativa,
especialmente nos países da periferia do capitalismo.
CONSIDERAÇÔES FINAIS
A concepção de educação superior do Banco Mundial contempla o
projeto do capital de transformar em mercadoria toda a esfera da vida social,
retirando da educação o caráter de direito, através da mercantilização desse
nível de ensino. O processo de diversificação das IES e dos cursos e a
diversificação das fontes de financiamento sob a aparência de ampliação do
acesso ocorre através da eliminação das fronteiras entre o público e o privado,
fazendo com que a formação da classe trabalhadora se dê em instituições nas
quais impera a lógica do lucro e do ensino massificado; da privatização interna
das instituições públicas, através das fundações de direito privado, da
cobrança de mensalidades e taxas e/ou quebrando a indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão e; do ensino a distância. Esse processo de
ampliação do acesso das classes trabalhadoras ao ensino superior presente nos
documentos do BM ocorre nos marcos da desqualificação, massificação,
aligeiramento da formação profissional e da certificação em larga escala.
O BM em todos os documentos analisados aponta uma nova denominação
para educação superior, as chamadas instituições não universitárias/cursos
pós-médio/ educação pós-secundária de forma pontual, porém no quarto documento
analisado (2003) é que se dá a ênfase aos vários tipos de instituições de
ensino superior concebido enquanto educação terciária: cursos de curta
duração, pós-médio, politécnico, ensino à distância, entre outros.
É nesse sentido, que percebo com clareza que as políticas do BM de
educação superior, dita educação terciária, para os países da periferia do
capital não atende de forma qualitativa aos interesses da classe trabalhadora,
e sim, da burguesia local e internacional, uma vez que retira do Estado o papel
de provedor submetendo a educação aos interesses do mercado, além de promover a
“criação do fetiche da ‘democratização’ e do aumento no índice de
escolarização” (Lima, 2009, p. 10) dos trabalhadores e filhos dos
trabalhadores. Contudo, devemos estar atentos a todos os passos desses
importantes sujeitos políticos do capital, junto ao conjunto dos movimentos
sociais – sindical e estudantil – comprometidos com a defesa e a luta pela
educação pública, gratuita e de qualidade, como direito universal e dever do
Estado.
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